maio 01, 2004

«Kill Bill: Vol. 2»



Título Português: Kill Bill - A Vingança - Vol. 2
Título Original: Kill Bill: Vol. 2
País de Origem: EUA, 2004
Realizador: Quentin Tarantino
Argumento: Quentin Tarantino
Elenco: Uma Thurman, David Carradine, Michael Madsen, Daryl Hannah, Chia Hui Liu, Michael Parks, Bo Svenson
Fotografia: Robert Richardson
Música: Johnny Cash, RZA, Robert Rodriguez
Produção: A Band Apart
Distribuição Nacional: Castello Lopes
Género: Acção, Thriller, Drama
Duração: 136 min
Classificação Etária: M/16

Kill Bill: Vol. 1 estreou e transformou-se imediatamente num fenómeno de culto, ou não fosse Quentin Tarantino um realizador de culto por excelência. Passado um interregno de seis meses, Tarantino apresentou Kill Bill: Vol. 2 e, claro está, o fenómeno de culto atingiu dimensões épicas. Partilho a opinião de que os filmes de Tarantino se tornam mais e mais gostáveis com o passar do tempo e com sucessivos visionamentos. A explicação é algo natural: os filmes são riquíssimos, tanto na forma como no conteúdo; há, nos filmes de Tarantino, sempre qualquer coisa nova para descobrir, para admirar, para reconhecer.

Confesso-me fã de Tarantino e de Kill Bill: Vol. 1, mas admito também que tanto Reservoir Dogs ou Pulp Fiction são, para mim, obras superiores. Acredito, no entanto, que o tempo transformará Kill Bill num marco seminal da história do cinema e da curta mas expressiva carreira de Tarantino. Há demasiado em Kill Bill para que o filme fique confinado à nossa apreciação depois de ser visto na escuridão da sala de cinema. Tarantino não realizou apenas um filme (ou dois, neste caso); Tarantino criou todo um universo, rico em personagens, e deu-lhe uma abordagem épica, conferindo a The Bride contornos de super-herói. É, pois, compreensível, que haja já quem considere Kill Bill a melhor adaptação do cinema de uma banda-desenhada (inexistente).

Centremo-nos em Kill Bill: Vol. 2, que agora estreou. Muito haveria a dizer acerca da génese e materialização de Kill Bill enquanto produto cinematográfico sujeito a uma lógica comercial de distribuição. O que seria inicialmente um filme transformou-se em dois. Ou será que se trata apenas de um filme apresentado em duas partes? Os dois volumes podem ser analisados individualmente ou apenas como um todo? O assunto é fértil em debates que, em última análise, se poderão reduzir a meras questões semânticas ou filosóficas. Reconheçamos, porém, que se um Kill Bill com 4 horas de duração seria excessivo, eventualmente cansativo, o desdobramento de Kill Bill em dois filmes não esconde interesses comerciais e uma lógica de marketing e auto-promoção poderosa.

Considero Kill Bill a soma de dois filmes distintos, que se completam e se complementam. Se o volume 1 é um filme de acção e artes marciais, o volume 2 é um melodrama. Os dois filmes conseguem subsistir individualmente, mas é em conjunto que atingem toda a sua grandiosidade. A dimensão épica de Kill Bill é alcançada no momento em que o volume 2 termina, depois de termos visto o volume 1. Preferir um dos volumes em detrimento do outro é uma tarefa ingrata, pois estamos a comparar o incomparável. Mas se tal exercício fosse possível, diria que o volume 2 é um filme mais completo, logo melhor.

Kill Bill: Vol. 2 afasta-se do delírio extravagante de sangue e lutas de Kill Bill: Vol. 1. As carências narrativas do primeiro volume são compensadas em larga escala no segundo volume, no qual o desenvolvimento narrativo é profundo, lento, com monólogos abundantes e, novamente, diálogos incisivos. A calma e a sobriedade de realização imperam em Kill Bill: Vol. 2, um pouco à semelhança do que havia acontecido em Jackie Brown. Kill Bill poderia facilmente chamar-se Once Upon a Time The Bride, pois estamos perante uma obstinada e interminável saga de uma personagem em busca da sua vingança. A premissa de Kill Bill não poderia ser mais simples, e é curioso verificar como do simples se elabora o complexo - através de boas ideias, de diálogos bens escritos, de personagens idiossincráticas, de um fio narrativo que se vai ramificando até aos limites de todo um universo perfeitamente claro e definido na cabeça de Tarantino.

Com Kill Bill, Tarantino revela-se novamente um realizador virtuoso que não só domina a técnica como conhece e trabalha qualquer género cinematográfico. Kill Bill tem acção, artes marciais, animação, drama, comédia, romance e até terror. Brilhante a direcção da sequência do enterro no segmento The Lonely Grave of Paula Schultz - um momento de puro cinema. Tarantino faz pelo terror, em poucos minutos, aquilo que muitos realizadores não conseguem fazer em filmes de terror de hora e meia. Mas não é só nessa cena que Tarantino demonstra compreender o cinema enquanto meio de comunicação. Tudo é atmosférico e provocador em Kill Bill. Tarantino choca, comove, ilude e estimula o espectador. Com alguma genialidade, diga-se. Tudo tem a devida importância para Tarantino, seja a escolha e direcção de actores, a fotografia, o elaborado tratamento sonoro ou a selecção musical dos temas de fundo.

Tal como o primeiro volume, também Kill Bill: Vol. 2 é um deleite para cinéfilos, com inúmeras referências a outros filmes. As referências vão além dos géneros e dos filmes a que Tarantino pretende prestar a maior homenagem, sejam os filmes asiáticos ou os westerns em geral; há em Kill Bill referências a filmes escritos ou realizados pelo próprio Tarantino. Não como um exercício egocêntrico, mas antes como quem sabe que o universo de Kill Bill é apenas uma parte de todo um universo mais lato. Dificilmente quem gosta de filmes ou de cinema não gostará de Kill Bill; pois Kill Bill é cinema.

Classificação: 9/10