abril 30, 2004

Pensamento do dia

"That woman deserves her revenge... and we deserve to die. (laughs) But then again, so does she." - Budd (Michael Madsen) em Kill Bill: Vol. 2

abril 28, 2004

Algumas palavras sobre «El otro lado de la cama»


A comédia musical El otro lado de la cama, do espanhol Emílio Martínez Lázaro, que amanhã estreia, esteve em competição no Fantasporto e arrecadou dois prémios principais: Prémio Especial do Júri e Melhor Argumento. A simples premissa - dois jovens casais a braços com as dificuldades amorosas e relacionais - revela-se uma fonte inesgotável de situações rebuscadas e caricatas. De facto, El otro lado de la cama é um inteligente exercício de realização e, principalmente, de escrita. E demonstra de forma clara a cumplicidade que existe entre o novo cinema espanhol e público a quem se destina. Do elenco principal destacam-se, pela reputação, as actrizes Paz Vega (Lucía e el sexo, Hable con ella) e Natalia Verbeke (sim, a do anúncio). O filme é genuinamente engraçado, envolvente e apurado, oscilando entre a comédia e o drama, sempre romântico, com deliciosos números musicais a fazer lembrar Everyone Says I Love You de Woody Allen. A previsibilidade de algumas cenas ou desfechos em nada trai a experiência que é assistir a este filme rico em cores, em vida, em amor e romance.

Classificação: 8/10

Pensamento do dia

"I'm afraid. I'm afraid, Dave. Dave, my mind is going. I can feel it. I can feel it. My mind is going. There is no question about it. I can feel it. I can feel it. I can feel it. I'm a... fraid. Good afternoon, gentlemen. I am a HAL 9000 computer. I became operational at the H.A.L. plant in Urbana, Illinois on the 12th of January 1992. My instructor was Mr. Langley, and he taught me to sing a song. If you'd like to hear it I can sing it for you." - HAL em 2001: A Space Odyssey

abril 27, 2004

«50 First Dates»



Título Português: A Minha Namorada Tem Amnésia
Título Original: 50 First Dates
País de Origem: EUA, 2004
Realizador: Peter Segal
Argumento: George Wing
Elenco: Adam Sandler, Drew Barrymore, Rob Schneider, Blake Clark, Sean Astin, Dan Aykroyd
Fotografia: Jack N. Green
Música: Teddy Castellucci
Produção: Columbia Pictures Corporation, Happy Madison
Distribuição Nacional: Columbia TriStar
Género: Comédia, Romance
Duração: 99 min
Classificação Etária: M/12

Depois do decepcionante Anger Management, 50 First Dates assinala o reencontro do realizador Peter Segal com o actor Adam Sandler. Também Sandler se reencontra com Drew Barrymore, com quem tinha contracenado em 1998 na comédia romântica The Wedding Singer - filme de que gosto particularmente e no qual reconheço algum virtuosismo da interpretação de Sandler. Punch-Drunk Love aparte, naturalmente. Afinal, não é todos os dias que o Sandler tem a felicidade de ser dirigido por Paul Thomas Anderson e conquistar um efémero brilhantismo.

50 First Dates, com a acção situada no Havai, conta a história de Henry, um biólogo mulherengo (Sandler) que, um dia, se apaixona por uma bela desconhecida de seu nome Lucy (Barrymore). Como que para castigo por todas as turistas que Henry usou e a quem mentiu, a aparentemente fácil conquista de Lucy vai-se revelar uma tarefa árdua, pois Lucy sofre de um problema de memória de curto prazo; não consegue criar novas memórias, acordando na manhã seguinte sem memória do que viveu no dia anterior. Segue-se a repetição das tentativas infrutíferas de Henry seduzir Lucy, a cada dia que passa, como se da primeira vez se tratasse.

Logo à partida - diria mesmo, antes sequer de se ver o filme - 50 First Dates faz lembrar dois grandes filmes: Memento e Groundhog Day. No thriller Memento, Guy Pearce sofre do mesmo problema de memória e luta de forma obstinada, com recurso a blocos de notas e a tatuagens no corpo, para descobrir o que envolveu o homicídio da sua mulher. Por outro lado, na comédia fantasiosa Groundhog Day, Bill Murray vê-se preso num ciclo temporal, sendo destinado a reviver o mesmo dia vezes e vezes sem conta. A memória do cinema fala por si, e escusado será dizer que tanto Memento como Groundhog Day são dois filmes brilhantes.

50 First Dates é um filme lento a arrancar, a introduzir a condição clínica de Lucy, e percebe-se porquê. Se o filme é minimamente agradável até esse momento, rapidamente se torna demasiado repetitivo, pouco original… e desinteressante. O conceito poético de conquistar a mesma mulher todos os dias, como se fosse a primeira vez, não tem no filme de Segal qualquer profundidade ou real pretensão. É apenas um mero mecanismo narrativo para fazer avançar a história e para justificar uma série de gags com pouca piada que já foram vistos no trailer. O filme torna-se repetitivo. Dez minutos de Memento ou de Groundhog Day são mais profundos, interessantes e estimulantes que todo o 50 First Dates. Recorde-se que em Groundhog Day, a dado momento, também Bill Murray decide conquistar Andie MacDowell, usando como trunfo aquilo que mais íntimo MacDowell lhe tinha confessado no dia anterior. E a sequência funciona.

O filme de Segal é uma comédia assumida, e mal estamos quando todos os momentos de humor são conseguidos com um Rob Schneider (The Animal, The Hot Chick) a fazer de parvo ou com um Sean Astin (Lord of the Rings) com um problema na fala e viciado em esteróides. Como romance, 50 First Dates também está longe de ser exímio. Há pouca química entre Sandler e Barrymore - ao contrário do que acontecia em The Wedding Singer - e nem mesmo o vício narrativo que dá a sensação que Lucy já conhece Henry do dia anterior consegue transpor o encanto da paixão para o espectador. Só mais tarde, cabem a Barrymore as cenas que permitem que o filme de Segal se redima minimamente no género romântico que pretende explorar.

Fosse a acção de 50 First Dates situada em qualquer sítio que não o Havai, e o filme teria tudo para abraçar o desastre. Situar a acção no Havai foi uma escolha certeira. Se, ao vermos o filme, formos esquecendo periodicamente - à semelhança de Lucy - que a obra de Segal é narrativamente insípida, conseguimos pelo menos entregarmo-nos às ídilicas paisagens havaianas, aos animais marinhos, às cores da fotografia de Jack Green e às 32 músicas não-originais que vão pautando todo o filme com arranjos coloridos.

Um filme a ver, ainda que se corra o risco de acordarmos no dia seguinte sem nos lembrarmos de nada.

Classificação: 5/10

Pensamento do dia

"One man's mundane and desperate existence is another man's Technicolor." - Tick (Richard Edson) em Strange Days

abril 26, 2004

«Dawn of the Dead»



Título Português: O Renascer dos Mortos
Título Original: Dawn of the Dead
País de Origem: EUA, 2004
Realizador: Zack Snyder
Argumento: James Gunn
Elenco: Sarah Polley, Ving Rhames, Jake Weber, Mekhi Phifer, Ty Burrell
Fotografia: Matthew F. Leonetti
Música: Tyler Bates
Produção: Strike Entertainment
Distribuição Nacional: Lusomundo
Género: Acção, Terror, Drama, Thriller
Duração: 100 min
Classificação Etária: M/18

Dawn of the Dead, remake do clássico de 1978 de George Romero pelas mãos do estreante Zack Snyder, é aquilo que é; um filme de zombies e nada mais. Gostar do género e não ter aversão particular a remakes é meio caminho andado para se gostar do filme de Snyder.

Vindo do mundo da publicidade e dos videoclips, Zack Snyder trabalha sobre um argumento de James Gunn - argumentista da Troma, e mais recentemente das duas adaptações ao cinema de Scooby Doo - e recria o terror epidémico de um mundo subitamente dominado por zombies. Não são necessárias explicações para o fenómeno. Como sintetiza o evangelista, "quando deixar de haver espaço no Inferno, os Mortos caminharão pela Terra" - aliás, frase que promovia o original de Romero. Snyder é rápido a definir as regras e a estabelecer o cenário apocalíptico com um breve pré-genérico. Depois disso, o público está situado e aceita tudo o que vier.

Dawn of the Dead é um filme de zombies, naturalmente, apesar da palavra "zombie" nunca ser referida. Mas as regras do género estão todas lá. Existe uma situação de cerco, em que um grupo de sobreviventes tenta resistir às dentadas dos mortos-vivos que deambulam pelas ruas, com movimentos descoordenados e corpos transfigurados. Os zombies não são inteligentes, orientando-se por fragmentos de memória ainda presentes e por um instinto de dispersão da sua condição de mortos-vivos. Há sangue, desmembramentos e gore em quantidades suficientes - ainda que se note alguma contenção - assim como alguns sustos repentinos que tão bem caracterizam o género.

Sarah Polley (Exotica, Go), Ving Rhames (Pulp Fiction, Mission: Impossible), Jake Weber (U-571, The Cell), Mekhi Phifer (8 Mile, ER) e Ty Burrell (Black Hawk Down) são alguns dos nomes principais do elenco. As personagens são minimamente estruturadas e desenvolvidas, havendo espaço para abordar temas pessoais como a paternidade ou a defesa pelos direitos dos animais. O elenco funciona e consegue criar tensão numa situação já por si tensa, em que facções se formam na luta comum pela sobrevivência. Destaque para Ving Rhames, que andava mais ou menos desaparecido, e para Sarah Polley, naquele que será, possivelmente, um dos seus papéis com maior destaque dos últimos anos.

A realização de Zack Snyder é competente e consegue agarrar o espectador do princípio ao fim. Snyder consegue habilmente explorar um clima claustrofóbico dentro de um espaço tão grande como o de um centro comercial. Como o espaço é maior, o cerco é mais lento, e Snyder tem tempo para explorar o lado humano das suas personagens, aquilo que faríamos se estivéssemos confinados a uma superfície comercial deserta, com tudo à nossa mercê. Curiosa a montage da vida dentro do centro comercial.

E porque Dawn of the Dead é um remake, Snyder presta homenagem ao filme de Romero através de inúmeras referências, mais ou menos dissimuladas, desde actores, frases, a nomes de companhias. Dawn of the Dead triunfa ao conseguir ser subtil e irónico no meio do caos e da loucura da carnificina. A música inicial dos Stereophonics "Have a Nice Day" enquando Sarah Polley regressa a casa, ou o tema "Don't Worry Be Happy" a sair das colunas do centro comercial em estilo de música de elevador, constituem breves momentos de verdadeira inspiração. Aliás, toda a selecção musical é certeira para este filme de terror, conseguindo fugir em larga medida aos sons distorcidos da música mais pesada que vai sendo utilizada de forma banal e estereotipada neste tipo de produtos cinematográficos.

O remake de Snyder falhará ao ser pouco incisivo na crítica ao consumismo que estava tão presente no filme de Romero. Enquanto no original os humanos se refugiavam no centro comercial com algum interesse pelos bens materiais, aqui toda a crítica se fica por um grupo de zombies que, orientados pelo seu instinto, é levado à superfície comercial mais próxima, como se de pessoas que se arrastam para os centros comerciais se tratassem. Não obstante, o filme de Snyder é um filme de zombies envolvente e perfeitamente válido que, seguramente, prenderá a atenção dos espectadores durante os seus 100 minutos de duração.

Classificação: 7/10

abril 25, 2004

Box Office norte-americano (fim-de-semana 23 a 25 Abril)

Man on Fire, o mais recente filme de Tony Scott, estreou-se na liderança da tabela do box office norte-americano com receitas na ordem dos $22.8M. Com argumento de Brian Helgeland (Mystic River), o filme conta com as participações de Denzel Washington e Christopher Walken. Para a segunda posição da tabela, com receitas de $21.1M, entrou 13 Going on 30, comédia romântica com Jennifer Garner, sobre uma jovem adolescente que, desejando crescer, um dia acorda e constata que tem 30 anos.

«Pitch Black» - permanecer na escuridão


Com a estreia próxima de The Chronicles of Riddick decidi rever Pitch Black. Quando vi o filme pela primeira vez, em 2001, achei-o um filme mediano, não tendo embarcado no culto que o filme criou imediatamente um pouco por todo o lado. Pensei que pudesse vir a mudar de opinião, mas não, não consigo deixar de achar que o filme de David Twohy é um produto sobrevalorizado, traído por um argumento fraco e por um Vin Diesel unidimensional e estereotipado. O filme tem potencial, movendo-se com algum à vontade no terreno da série "b". Os efeitos especiais, fruto de um orçamento reduzido, são meritórios e interessantes e a fotografia de David Eggby, bem como todo o tratamento cromático do filme, constituem focos de interesse. Mas o argumento é deficiente, o que rapidamente transforma Pitch Black num filme desinteressante. Também os diálogos, reduzidos a frases feitas de uma linha, em nada enriquecem este produto misto de terror e ficção científica. Mas o que, no limite, transforma o filme de Twohy numa experiência falhada é a interpretação limitadíssima de Vin Diesel. Será Diesel no seu melhor, diga-se, mas ainda assim fraco; e consegue mesmo remeter para primeiro plano as interpretações de todo um elenco de segunda. The Chronicles of Riddick pode esperar.

«Death and the Maiden» - a anatomia da tensão


Em 1994 Roman Polanski realizou Death and the Maiden, adaptando a peça homónima do argentino Ariel Dorfman. A premissa é simples: num país da América Latina, depois da queda de um regime ditatorial, uma mulher casada com um importante advogado recebe em sua casa aquele que acredita ter sido, no passado, o homem que a torturou e violou. Com um elenco reduzido de três actores - Sigourney Weaver, Ben Kingsley e Stuart Wilson - e apenas um décor - uma casa isolada - Polanski consegue explorar eficazmente durante hora e meia o terror psicológico e um clima de tensão de forma desconcertante. Com uma realização fiel à linguagem teatral, Death and the Maiden será recordado por uma interpretação magistral de Sigourney Weaver que ofusca qualquer eventual brilhantismo do galardoado Ben Kingsley. Um filme duro e cru, sobre justiça, sobre vingança, sobre a ténue linha intermediária. Em última análise, um poderoso ensaio sobre o exorcismo de traumas passados e horríveis memórias latentes.

Quando a dobragem não é o maior dos males

Nada que eu não soubesse, mas constato novamente que me é impossível seguir um filme num dos principais canais nacionais. Nem é devido aos inúmeros intervalos de duração desmedida a que sou sujeito. Ou pelos finais abruptos com os genéricos truncados com que sou presenteado. Também não é sequer devido aos distractivos logotipos dos canais bem marcados em cima da imagem. O que faz, sim, com que ver um filme na televisão se torne uma experiência incómoda, e em última instância impossível, é o desrespeito pelo formato original do filme; é o saber que a imagem está cortada dos lados para que o filme possa ser exibido em ecrã cheio, sem as famosas "barras pretas". Não dá…

Realizadores de bancada

Cinema aparte, poucas áreas existirão sobre as quais todas as pessoas têm opinião formada; opiniões dogmáticas, irrefutáveis e fechadas a qualquer sugestão exterior, diga-se. Qualquer pessoa tem opinião sobre um filme, sobre um actor, sobre um género. As opiniões oscilam entre o verdadeiramente superficial e o devidamente fundamentado.

É isso que transforma a crítica de cinema enquanto profissão numa das tarefas mais ingratas de uma sociedade de informação. Nem todas as pessoas ousam opinar sobre ballet, música clássica ou pintura. O mesmo não acontece com os filmes. Todos têm opinião. É, pois, fácil criticar o papel do crítico apenas por não se concordar com o seu texto. No limite, trata-se da prevalência da nossa opinião pessoal sobre a opinião de outra pessoa, que por acaso assume o papel de crítico de cinema.

Existe crítica boa e crítica má, como em tudo. Mas centremo-nos naquilo a poderá ser chamada crítica de qualidade, fundamentada. Qualquer crítica implica um processo de formação de opinião. Consequentemente, o texto do crítico transmite, de forma mais ou menos subtil, uma visão pessoal da obra. Mas o texto contém mais do que isso. Idealmente conterá uma contextualização do filme, apresentará uma análise aprofundada sobre as imagens, estabelecerá uma relação com a história do cinema. E isso não existe nas opiniões superficiais que abundam um pouco por todo o lado. Porquê então o desprezo imediato pela opinião do crítico de cinema?

A (boa) crítica cinematográfica pode ser enriquecedora, mostrando-nos novas perspectivas sobre a obra. Existe crítica válida, ao contrário do que pensam aqueles que caem no lugar comum de rotular os críticos como artistas frustrados. O que define uma boa crítica será subjectivo, mas penso que tal passará sempre por uma opinião devidamente fundamentada, em que se perceba o processo de construção de opinião de quem escreve o texto. A partir daí vale tudo, seja glorificar um produto medíocre ou arrasar uma obra-prima. A crítica não é nem nunca será consensual, precisamente porque os filmes são compostos por imagens - logo, sujeitas a interpretação.

Na memória ficaram-me as palavras de um editor de jornal que, um dia, em conversa com o seu crítico de cinema lhe disse: "Sabe que tem a profissão mais ingrata de todas, não sabe? É que posso chegar a casa e a minha mulher dizer-me que não gostou do que o senhor escreveu. E o mesmo não aconteceria com um texto sobre política, literatura ou música erudita..."

abril 23, 2004

Pensamento do dia

"They're all so jealous in Hollywood. It's not enough to have a hit. Your best friend should also have a failure." - Peter Bogdanovich

abril 22, 2004

O pesadelo dos cinéfilos

50 First Dates, Demain on déménage, Carmen, És a Nossa Fé, Northfork, Dawn of the Dead e Sylvia são as estreias da semana. Nada menos que sete. Não é que não seja bom constatarmos que estreia de tudo um pouco, dos filmes mais comerciais aos de culto, passando pelos europeus. Mas sejamos realistas. Como é possível acompanhar tudo o vai estreando?

Algumas palavras sobre «Northfork»


Northfork, o mais recente filme dos irmãos Polish (Twin Falls Idaho), abriu este ano a edição do Fantasporto. Não é um filme fantástico mas é, certamente, um filme interessante. Há toda uma composição poética e surrealista na história que é contada, sobre uma pequena cidade do interior norte-americano iminente a desaparecer do mapa devido à construção de uma barragem. O elenco é de luxo: James Woods, Nick Nolte, Claire Forlani, Daryl Hannah, Kyle MacLachlan e Peter Coyote; as personagens são complexas e idiossincráticas. A magia e a estranheza pairam sobre as vastas paisagens de Northfork, fazendo lembrar David Lynch. O filme, carregado de simbolismo, não é brilhante, contudo. O tratamento poético e sublime não justifica uma exacerbada quebra de ritmo narrativo, e o filme acaba mesmo por se perder por entre demasiados momentos cómicos nada coerentes com a tragédia que os (poucos) habitantes de Northfork estão a viver. Um filme a espreitar pelos mais curiosos, no entanto.

Classificação: 6/10

Pensamento do dia

"There is no terror in the bang, only in the anticipation of it." - Alfred Hitchcock

abril 20, 2004

«Starsky & Hutch»



Título Português: Starsky & Hutch
Título Original: Starsky & Hutch
País de Origem: EUA, 2004
Realizador: Todd Phillips
Argumento: John O'Brien, Todd Phillips e Scot Armstrong, com história de Stevie Long e Jonh O'Brien, inspirado em personagens de William Blinn
Elenco: Ben Stiller, Owen Wilson, Snoop Dogg, Fred Williamson, Vince Vaughn, Juliette Lewis, Jason Bateman, Amy Smart, Carmen Electra
Fotografia: Barry Peterson
Música: Theodore Shapiro
Produção: Dimension Films
Distribuição Nacional: Lusomundo
Género: Comédia, Acção, Crime
Duração: 101 min
Classificação Etária: M/12

Depois de Road Trip e Old School, o nova-iorquino Todd Phillips adapta ao grande ecrã Starsky and Hutch, uma série de televisão policial que se celebrizou na década de 70, sobre as desventuras de dois polícias que, com a ajuda de um informador, e ao volante de um Ford Torino vermelho e branco, vão combatendo o crime.

Neste remake, a parelha de polícias é constituída por Ben Stiller (Starsky) e Owen Wilson (Hutch). Gostar de Stiller ou de Wilson é meio caminho andado para se gostar de Starsky & Hutch. O par funciona. Stiller é o polícia zeloso e pontual para quem o cumprimento da lei é inatacável e Wilson, mais descontraído, prefere aproveitar-se das benesses de uma vida policial. Não será por acaso que a química entre os actores é tão grande. Ambos, para além de amigos, trabalharam já em conjunto em filmes bem sucedidos como Meet the Parents, The Royal Tenenbaums e Zoolander.

Também a escolha dos actores secundários é cuidada, revelando-se eficaz. Depois de Old School, Todd Phillips reencontra-se com Vince Vaughn (Psycho, The Cell), Juliette Lewis (Kalifornia, Natural Born Killers) e Will Ferrell (Elf) - a quem oferece um curioso pequeno papel, sem que o nome do actor seja incluído no genérico. Vaughn é o mafioso de serviço e Lewis, sensual como sempre, a sua amante. Mas há mais. O rapper Snoop Dogg (Training Day) encarna Huggy Bear, o informador de rua; Amy Smart (Road Trip, Rat Race) e Carmen Electra (Baywatch, Scary Movie) aumentam a tensão sexual do filme nos papéis de duas inocentes cheerleaders, brindando o público masculino com um suave momento lésbico; e o relativamente desconhecido Jason Bateman interpreta a personagem do sócio de Vaughn. Também Chris Penn (Reservoir Dogs, The Funeral) e a modelo Molly Sims têm pequenos e agradáveis papéis. E que melhor escolha para o papel do capitão da esquadra de polícia senão Fred Williamson - actor que se celebrizou na década de 70 com filmes de blaxploitation.

Cenas de acção aparte, a série Starsky and Hutch dos anos 70 inseria-se no género do drama policial. O remake de Phillips tem uma abordagem diferente; o género é a comédia, mantendo-se o fio narrativo policial. O filme é bem-humorado, os diálogos são bem trabalhados, mas Starsky & Hutch nunca é hilariante. Há meia-dúzia de cenas que fazem rir, as restantes apenas fazem sorrir. No entanto, e como já referi, as simples presenças de Ben Stiller e Owen Wilson conferem um tom de boa-disposição a todo o filme de Phillips.

Starsky & Hutch pretende, também, prestar homenagem aos filmes policiais da década de 70 - há um poster de Dirty Harry por lá - e recuperar toda uma cultura do disco-sound, das grandes cabeleiras e das calças à boca-de-sino. Phillips consegue fazê-lo com sucesso. A composição musical de Theodore Shapiro ajuda, bem como as cores vivas, os contrastes, e os zooms denunciados da fotografia de Barry Peterson. É, pois, fácil, para quem gosta de policiais da década de 70, encontrar em Starsky & Hutch material suficiente para que o filme não seja uma experiência totalmente falhada.

Mas é algures entre a comédia e o policial que o filme de Phillips se perde. Como comédia, não é hilariante. Embora haja personagens estranhas, momentos de paródia e muito humor auto-referencial ou anacrónico - mesmo alguns momentos politicamente incorrectos - o filme nunca chega a afirmar-se como uma comédia genuína. E, por outro lado, o filme parece sofrer de um limitado fio narrativo policial que, embora vá funcionando, deixa a sensação de que muito fica por explorar no género policial.

Para fãs de Ben Stiller e Owen Wilson, ou para quem aprecia a lógica do filme policial dos anos 70, Starsky & Hutch é uma comédia que se vê com gosto, mas que, como produto final, sabe a pouco.

Classificação: 6/10

Sobre a "suspensão da descrença"

Quando vamos ao teatro, em cima do palco é-nos apresentada uma história, uma situação, e somos situados no espaço através de um cenário que, por mais complexo que seja, é sempre minimalista quando comparado com a realidade. Exemplificando: a acção decorre dentro de uma casa, e o cenário é constituído por apenas duas paredes em ângulo e uma mesa com um jarro; a história desenrola-se na selva, mas tudo o que está em palco são meia-dúzia de plantas e algumas folhas. Assistimos à peça, e nunca sequer questionamos que "aquilo" não é uma casa, nem a selva. E porquê? Devido a um conceito presente no nosso subconsciente chamado "suspensão da descrença".

Significa a "suspensão da descrença" que o espectador está disposto a aceitar limitações da história que lhe é apresentada, sacrificando o realismo ou plausibilidade da situação, em proveito do entretenimento. O termo foi definido pelo poeta e filósofo inglês Samuel Taylor Coleridge, em 1817, mas já Shakespeare, no prólogo de Henrique V, fazia alusão à mesma teoria. Se, no teatro, este mecanismo subconsciente é aceite de forma pacífica para que se possa assistir à peça, no cinema, para um público mais inflexível, pronto a criticar, o mecanismo não goza do mesmo estatuto. Não há espaço para tal conceito como a "suspensão da descrença".

Surge o adjectivo "banhada" e a expressão "filme da tanga". Frases como "isto nunca poderia acontecer" ou "que exagero" saltam da boca dos espectadores mais melindrosos; e muitas vezes acompanhadas de sonantes gargalhadas. Então e a "suspensão da descrença"? Onde está a capacidade de suspender o sentido crítico em prol do entretenimento? Não está. E não se gosta de James Bond, de Charlie's Angels, de Die Hard ou True Lies. Não por serem filmes maus, diga-se, mas por serem filmes inverosímeis, irrealistas. Cinema também é espectáculo. E o espectáculo não pretende copiar a realidade mas sim colori-la.

Bem sei que por vezes os limites para a nossa a capacidade de "suspender a descrença" são levados ao extremo, mas convém sempre analisar os casos individualmente, identificando o género do filme em questão, o seu universo, se é um filme que pretende ser levado a sério ou não. "Banhada", da boca para fora, não só destrói a emoção cinematográfica e o propósito do filme, como muitas vezes denuncia uma opinião crítica nada fundamentada. Afinal, vem da mesma pessoa que vê e aceita filmes como Star Wars ou Lord of the Rings.

Apreciem-se os filmes então, o mais possível, e encontrem-se os seus problemas e falhas onde realmente estão.

abril 18, 2004

Box Office norte-americano (fim-de-semana 16 a 18 Abril)

Kill Bill Vol. 2 entrou a matar para a liderança do box office norte-americano com receitas na ordem dos $25.1M, contra os $22.1M que o volume 1 gerou no fim-de-semana de estreia com exibição em mais 131 salas. The Bride (Uma Thurman) promete vingança, e adivinha-se um sucesso de bilheteira superior ao do volume anterior do filme de Quentin Tarantino. Para a segunda posição da tabela entrou The Punisher, a adaptação da Marvel também sobre um herói vingador. O filme marca a estreia na realização de Jonathan Hensleigh, argumentista de filmes como Die Hard 3, The Saint e Armageddon e produtor de Con Air e Gone in Sixty Seconds. O filme, produzido pela Lions Gate, gerou receitas de $13.8M.

«Shattered Glass»



Título Português: Shattered Glass: Verdade ou Mentira
Título Original: Shattered Glass
País de Origem: EUA/Canada, 2003
Realizador: Billy Ray
Argumento: Billy Ray, baseado num artigo de Buzz Bissinger
Elenco: Hayden Christensen, Peter Sarsgaard, Chloe Sevigny, Rosario Dawson, Steve Zahn, Hank Azaria
Fotografia: Mandy Walker
Música: Mychael Danna
Produção: Cruise-Wagner Productions, Lions Gate Films
Distribuição Nacional: LNK
Género: Drama
Duração: 95 min
Classificação Etária: M/12

Inspirando-se num episódio real, o argumentista Billy Ray (Color of Night, Volcano) estreia-se na realização com Shattered Glass - um sublime exercício de realização sobre a ética no mundo do jornalismo; um ensaio sobre o comportamento humano. Ray adapta um artigo do jornalista galardoado com o Prémio Pulitzer Buzz Bissinger e, ao contar a história de Stephen Glass, promove debate sobre a responsabilidade editorial num filme em que impera uma enorme componente humana.

Stephen Glass celebrizou-se como um jovem jornalista que, tendo colaborado em várias publicações, viu o seu sonho de glória e reconhecimento tornar-se realidade na prestigiada revista The New Republic. O seu sonho viria a transformar-se no seu maior pesadelo à medida que a autenticidade de um dos seus artigos - Hack Heaven - era posta em causa por um jornalista da Forbes Magazine. Tendo sido desmascarado, concluiu-se que 27 dos 41 artigos de Glass tinham sido total ou parcialmente fabricados.

O filme de Billy Ray começa com Glass a discorrer sobre o árduo mundo do jornalismo, sobre as rivalidades, sobre a competição, e Glass refere Woodward e Bernstein. É natural. Mas curiosamente, Shattered Glass está nos antípodas de All the President's Men, filme seminal de Alan J. Pakula sobre o jornalismo de investigação. Não retirando mérito ao filme de Pakula, Shattered Glass triunfa onde o filme sobre o escândalo de Watergate dos anos 70 eventualmente falhará; por ser demasiado documental, demasiado clínico.

Shattered Glass não se perde nas especificidades do mundo do jornalismo e mesmo assim consegue de forma eficaz evocar toda uma metodologia, uma lógica de redacção explorada previamente em grandes filmes sobre o universo das revistas e dos jornais. Ficando o acessório de fora, há espaço para Ray abordar toda uma componente humana, de anti-herói, daqueles que constituem as redacções. Não há grandes furos. Há antes dilemas e conflitos internos. Há questões éticas e profissionais. Há toda uma dissertação sobre a amizade e lealdade num universo em que os factos são o bem mais precioso.

A história pessoal de Glass, ainda que fascinante, é quase como um pretexto para Billy Ray explorar algo mais profundo. Sobre a moral. Sobre o poder da comunicação. E é esse exercício de subtileza, de contenção, que transforma Shattered Glass num filme provocador, de uma calma desconcertante - ao contrário do que estamos habituados a ver nas redacções - à medida a que assistimos ao confronto entre um editor e um dos seus mais prodigiosos jornalistas.

Peter Sarsgaard foi nomeado para um Globo de Ouro e recebeu vários prémios da crítica norte-americana. O seu desempenho é, de facto, notável. Sarsgaard encarna uma personagem que foge aos clichés do género e o seu carácter humano só lhe confere autenticidade. Acreditamos que aquele editor está a viver um drama. Seja por não conseguir defender um dos seus jornalistas, seja por ter a cabeça a prémio como responsável editorial de uma conceituada revista.

Por outro lado, é bom ver que Hayden Christensen existe fora de Star Wars. Anakin consegue ofuscar os papéis de The Virgin Suicides ou Life as a House, mas enquanto não estrear o Episódio 3 de Star Wars, Hayden poderá ser lembrado como Stephen Glass. Sem ser brilhante, o desempenho de Hayden é funcional, ainda que com algumas limitações para a complexidade da personagem de Glass. Quanto ao restante elenco, de Steve Zahn e Hank Azaria gosto sempre, Chloe Sevigny não passa despercebida porque… é Chloe Sevigny, mas a promissora Rosario Dawson não se percebe muito bem o que anda por ali a fazer.

Não há cenas de acção ou perseguições em Shattered Glass. Há antes todo um drama humano e um exercício de reflexão sobre a nossa responsabilidade enquanto veículos de informação na sociedade actual. Um filme a ver, sem hesitações.

Classificação: 8/10

abril 17, 2004

Obrigado!

Uma palavra de apreço especial a todos aqueles que, ao longo deste mês e pouco de existência do Grande Plano, me têm elogiado, citado, linkado ou mesmo criticado. Obrigado àqueles que me descobriram, quando eu pensava já ter visitado todos os blogues de cinema nacionais, mostrando-me assim que eu estava enganado. Obrigado a todos os que vão comentando os textos e os artigos e também àqueles que, não o fazendo, me vão lendo silenciosamente.

«Secret Window»

**SPOILERS** Este texto contém informações que denunciam a surpresa do filme! Não deverá ser lido por quem não viu o filme e o tenciona fazer!


Título Português: A Janela Secreta
Título Original: Secret Window
País de Origem: EUA, 2004
Realizador: David Koepp
Argumento: David Koepp, baseado no romance de Stephen King
Elenco: Johnny Depp, John Turturro, Maria Bello, Timothy Hutton, Charles S. Dutton
Fotografia: Fred Murphy
Música: Philip Glass
Produção: Columbia Pictures Corporation
Distribuição Nacional: Columbia TriStar
Género: Drama, Thriller, Terror
Duração: 96 min
Classificação Etária: M/16

Secret Window, de David Koepp, tem sido promovido como "o filme do argumentista de Panic Room". A manobra de marketing parece-me infeliz, se não mesmo redutora, pois Koepp é um argumentista conceituado nos meandros de Hollywood que assinou argumentos de filmes como Jurassic Park, Carlito's Way, Mission: Impossible, Snake Eyes, Spider-Man, entre outros. Se alguns filmes poderão não ser brilhantes, há um reconhecimento quase unânime das capacidades da escrita de Koepp. E não só. Convém não esquecer que Koepp realizou em 1999 Stir of Echoes, um fascinante exercício de mistério e terror sobre a obsessão de um homem à procura de "qualquer coisa".

Com Secret Window, David Koepp adapta ao cinema mais um romance do prolífero Stephen King (The Shining, The Green Mile) e o resultado é insuficiente, tanto a nível de escrita como de realização. O filme centra-se num escritor em bloqueio - aliás, tema já explorado por King - que, um dia, é confrontado por um desconhecido que o acusa de plágio. A premissa não podia ser mais interessante. E se um dia nos aparecesse um estranho com um rascunho daquilo que nós, enquanto escritores, tínhamos publicado uns anos antes? Mais interessante seria a premissa se nós tivéssemos consciência de que não havíamos plagiado material algum. E é como começa Secret Window.

O filme de Koepp falha em larga medida porque desde cedo é demasiado previsível. Rapidamente se percebe que o homem que acusa o escritor de plágio não existe, que é apenas um produto da sua imaginação - lembramo-nos de Fight Club, é inevitável. Mas é delicado apontar a falta de originalidade de Secret Window se tivermos em consideração que o romance de Stephen King é anterior ao romance de Chuck Palahniuk, em que o filme de Fincher se baseia. Se, no limite, a reviravolta de Fight Club não é totalmente original, Fincher consegue, pelo menos, esconder de forma exímia as pistas que vai deixando, distraindo desta forma o espectador. Em Fight Club, até à reviravolta, tudo é mais importante que a reviravolta. O mesmo não acontece em Secret Window. Koepp parece preocupado apenas em explorar o conceito da (in)esperada reviravolta. As obsessões do escritor não têm o merecido aprofundamento e mesmo o riquíssimo tema do plágio é abordado de forma superficial, com o propósito único de fazer avançar a narrativa. No romance de King, está explícito que o escritor plagiou, e que a sua loucura daí provirá; há toda uma insinuação de um profundo sentimento de culpa.

Secret Window poderia ser um filme bem mais interessante, mesmo sendo previsível. Uma premissa de Secret Window, com um autor a enlouquecer, perseguido pela sua consciência - mesmo que na forma de outra personagem - é matéria suficientemente rica para que o filme não se sustentasse numa reviravolta. O problema não é o material (ou a reviravolta) do filme de Koepp não ser original; o problema é o filme de Koepp em si não ser original. Porque é dado demasiado relevo ao mistério, à reviravolta, e as pistas nem sequer são convenientemente apagadas. Estamos à espera de um final à Fight Club, e quando o final chega, muito ficou por desenvolver. A escrita de Koepp não satisfaz. Plágio, loucura, múltipla personalidade, obsessão, são temas que Koepp poderia explorar e o seu argumento renega para segundo plano em prol de uma reviravolta.

Tecnicamente correcto, com bons momentos de tensão traídos apenas por alguns tons de comédia, o filme vive fundamentalmente da interpretação do verstátil Johnny Depp (Edward Scissorhands, Pirates of the Caribbean) no papel do escritor perseguido e ameaçado. John Turturro (Barton Fink, Quiz Show) é, também, suficientemente convincente e assustador no papel do homem que acusa o escritor de plágio. Interpretações discretas e contidas de Maria Bello (Coyotte Ugly, The Cooler) e Timothy Hutton (Beautiful Girls, City of Industry) bem como dos restantes secundários.

Secret Window tem material de primeira, mas a abordagem é superficial. E ao termos consciência do que se está a passar, há muito pouco a que nos possamos agarrar.

Classificação: 4/10

abril 16, 2004

Pensamento do dia

"The things you own end up owning you'" - Tyler Durden (Brad Pitt) em Fight Club

abril 15, 2004

«Ginger Snaps», ou o terror da menstruação

Datado de 2000, Ginger Snaps foi um filme que me passou ao lado. Não me lembro sequer se teve estreia comercial ou um lançamento directo para vídeo na altura. Tive agora oportunidade de ver o filme e fiquei agradavelmente surpreendido. A capa do DVD não é das mais sedutoras, mas o filme é deveras interessante. O género é o do filme de terror de adolescentes, mas Ginger Snaps distancia-se logo nos primeiros planos da fórmula usada e reutilizada pelos seus pares de Hollywood.

Inspirando-se na mitologia do lobisomem, o filme apresenta-nos uma jovem adolescente, mordida por um licantropo pela altura da sua primeira menstruação, e o que se segue é uma metáfora curiosa, bem estruturada, das alterações hormonais e de personalidade de uma jovem na puberdade. Há todo um terror explorado através do medo do crescimento, das modificações corporais, do despertar para a sexualidade. Um filme a descobrir por quem não viu.

«Io non ho paura»



Título Português: Não Tenho Medo
Título Original: Io non ho paura
País de Origem: Itália/Espanha/Reino Unido, 2003
Realizador: Gabriele Salvatores
Argumento: Niccolò Ammaniti e Francesca Marcino, sobre romance de Niccolò Ammaniti
Elenco: Giuseppe Cristiano, Mattia Di Pierro, Aitana Sánchez-Gijón, Dino Abbrescia
Fotografia: Italo Petriccione
Música: Ezio Bosso e Pepo Scherman
Produção: Medusa Produzione
Distribuição Nacional: LNK
Género: Drama
Duração: 108 min
Classificação Etária: M/12

Estranha realidade esta, quando constato que um dos filmes mais interessantes que tive oportunidade de ver na edição deste ano do Fantasporto foi um drama, com pouco suspense, sem terror, sem efeitos especiais. Falo de Io non ho paura - que estreia esta semana - do italiano Gabriele Salvatores, nome já conhecido de edições anteriores do Fantas (Nirvana).

Gostei de não ter lido sinopses previamente, nem ter visto o trailer. Tive uma agradável surpresa. Não sabia sequer que a acção se desenrolava algures no interior de Itália, pelo final da década de 70. Ou que existia um rapazinho de seu nome Michele, filho de uma família convencional, modesta, que um dia descobria um buraco onde outro rapaz, Filippo, se escondia.

A partir de um romance de Niccolò Ammaniti, Salvatores constrói um filme poderoso, visualmente deslumbrante, sobre a infância, sobre a amizade e sobre a perda precoce da inocência. Toda a composição é poética, de uma beleza grande, muito grande. As paisagens do interior de Itália, com as searas ao vento, as ceifeiras-debulhadoras ao longe, os tons dourados da fotografia de Italo Petriccione, a imensidão dos campos no meio do silêncio ou da serena composição musical de Ezio Bosso e Pepo Scherman - tudo confere um ambiente sublime, de extrema sensibilidade ao filme de Salvatores.

Io non ho paura é um filme sobre dois mundos: o das crianças e o dos adultos. E sobre a tragédia inevitável que eclode quando uma criança, ainda nova, se confronta com a realidade do mundo dos crescidos. O filme de Salvatores começa com ternura, pois vemos a realidade pelos olhos do jovem Michele, puro e inocente. Estamos no mundo das crianças, em que mesmo a mais perversa das acções está embutida em pureza, em inocência. E quando Michele descobre Filippo, escondido num buraco, o realizador italiano explora uma visão honesta, realista e despretensiosa sobre a amizade. A mais pura das amizades, em que não imperam clichés e os actos heróicos são tão subtis que podem passar despercebidos a uma primeira leitura.

Salvatores contrapõe a crueldade à inocência. E aqueles que parecem actos justificáveis no mundo dos adultos, ainda que reprováveis, adquirem proporções inimagináveis aos olhos de uma criança, com tanto para viver ainda, com tanto para brincar. É a mais forte das desilusões: a constatação de que os adultos podem ser maus, e que o tamanho fosso existente entre o mundo das crianças e o dos adultos pode ser transposto com uma passada apenas ou com um simples olhar; de forma irreversível. É a inocência perdida, na visão poética e trágica de Gabriele Salvatores.

Um filme a não perder.

Classificação: 8/10

abril 14, 2004

Pensamento do dia

"When people ask me if I went to film school I tell them 'no, I went to films.'" - Quentin Tarantino

«Carandiru»



Título Português: Carandiru
Título Original: Carandiru
País de Origem: Brasil/Argentina, 2003
Realizador: Hector Babenco
Argumento: Hector Babenco, Fernando Bonassi e Victor Navas, do livro de Dráuzio Varella
Elenco: Luiz Carlos Vasconcelos, Milton Gonçalves, Ivan de Almeida, Rodrigo Santoro, Milhem Cortaz, Ailton Graça
Fotografia: Walter Carvalho
Música: André Abujamra
Produção: HB Filmes, Globo Filmes, Oscar Kramer SA
Distribuição Nacional: Columbia TriStar
Género: Drama, Crime
Duração: 146 min
Classificação Etária: M/16

Depois do sucesso de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, criaram-se grandes expectativas à volta de outro filme brasileiro mais recente de seu título Carandiru. Realizado por Hector Babenco (Pixote: A Lei do Mais Fraco, O Beijo da Mulher Aranha), Carandiru era há já muito falado, e esperado, principalmente por todos aqueles que viram e adoraram o filme de Meirelles. Falava-se num novo cinema brasileiro, numa nova corrente cinematográfica, que destituía Cidade de Deus de ser um exemplo singular. Se para mim o épico sobre crime de Meirelles é um filme sobrevalorizado, ainda que bom, o filme de Babenco, para além de sobrevalorizado é francamente mau. Qualquer semelhança entre os dois filmes será mera coincidência.

Carandiru tem como premissa os incidentes reais que aconteceram em 1992 na prisão de São Paulo com o mesmo nome. Na sequência de um motim, morreram 111 presos, sem que tivesse havido qualquer baixa nas forças policiais. Carandiru não é um filme sobre o sistema político, social ou prisional de um país com índices elevados de criminalidade; é, sim, um filme sobre um incidente específico: um motim que se transformou numa carnificina. Com quase duas horas e meia de duração, as duas horas iniciais do filme têm apenas a função de preparar o espectador para o choque final. Carandiru é um filme profundamente moralista.

A primeira imagem do filme mostra-nos que no meio de uma grande cidade existe uma grande prisão. E a primeira cena revela-nos que essa prisão é um mundo aparte, dentro de outro mundo; um microcosmos com regras próprias, com habitantes específicos, que se regem por um código de conduta por eles definido e rigidamente respeitado. É-nos apresentado o director da prisão, autoritário mas sereno, que sem recorrer à força deixa os presos resolver os conflitos internos, e um médico, o narrador e o autor do livro em que o filme se viria a basear.

Os filmes de prisão ficcionados funcionam numa lógica de existir um recluso, inocente ou não - o protagonista - e um director de prisão tirano e abusador, que narrativamente assume o papel de antagonista. Ainda que o preso não seja inocente, a crueldade do director faz com que o espectador sinta empatia pelo alegado criminoso. Do ponto de vista narrativo, Carandiru começa mal ao inverter os papéis e ao introduzir um director razoável em simultâneo com um grupo de criminosos pelo qual não se sente empatia. Dir-me-ão que Carandiru não é o banal filme ficcionado de prisão, mas sim um retrato da realidade. Vejamos então o que o filme de Babenco nos mostra.

Para mostrar a realidade da prisão de Carandiru, Babenco mostra a realidade de cada preso, durante quase hora e meia. Pouco nos é mostrado sobre as rotinas de uma vida enclausurada, da vida de prisão. Através dos olhos do médico, vamos conhecendo a história pessoal de cada preso, o seu passado, aquilo que o levou atrás das grades. Se o filme de Babenco já sofre por si só de uma falta de energia natural no seu fio condutor principal, cada vez que se recorre ao flashback as quebras narrativas são exacerbadas. Ficamos a conhecer o passado de cada preso, e o que Babenco demonstra é que, aqueles que não são inocentes, são vítimas da sociedade, de uma realidade cruel e desumana. Babenco pretende mostrar que se tratam no fundo de pessoas reais, mas o facto de matarem a sangue frio é descurado para segundo plano, ignorado, tratado com leviandade.

Em Carandiru muitos são inocentes, e todos são vítimas. Vítimas de uma liberdade que mais cedo ou mais tarde se revelará fatídica, vítimas de um sistema prisional sobrelotado e sem condições, vítimas de um flagelo emergente como o HIV dentro das prisões. Aliás, o médico chega à prisão através de um programa de sensibilização e identificação do problema. Nunca chegamos a perceber as reais motivações que o levam a lá permanecer, nem porque motivo o médico que mais parece assumir o papel de padre cria tamanha empatia pelos reclusos, ultrapassando mesmo a ténue linha da ética profissional. Terá acontecido. Respeitamos. Mas não podemos deixar de notar que é um ponto subdesenvolvido no argumento e que não facilita a nossa empatia com a personagem.

Aquando do motim, as pretensões de Babenco são claríssimas. Carandiru pretende condenar a violência, a brutalidade policial. A mensagem de que nem os criminosos merecem tal castigo espelha-se nos litros de sangue que escorrem pelas escadas e pelos corredores. Babenco condena os incidentes que tiveram lugar há uma década atrás em Carandiru. Naturalmente, há que reprovar qualquer tipo de abuso de autoridade. Mas sem se ser faccioso, sem desvirtuar a realidade, sem transformar culpados em vítimas. Ou então fazê-lo através de uma análise mais incisiva e menos superficial do problema. Todas as preocupações de Babenco em caracterizar humanamente os criminosos desacreditam o filme a um nível mais profundo, fazendo com que a mensagem de Carandiru funcione apenas a um nível sentimentalista, superficial, de manifesto de anti-violência policial.

Num momento em que se criticam as representações dos actores portugueses, e com razão muitas vezes, há que notar que o elenco de Carandiru não prima pela excelência. Os textos não ajudarão, mas o que se sobressai são representações pouco ou nada convincentes.

Classificação :3/10

abril 13, 2004

Pensamento do dia

"Well, I tried, didn't I? Goddamnit, at least I did that." - McMurphy (Jack Nicholson) em One Flew Over the Cuckoo's Nest

abril 12, 2004

«Cheaper by the Dozen»



Título Português: À Dúzia É Mais Barato
Título Original: Cheaper by the Dozen
País de Origem: EUA, 2003
Realizador: Shawn Levy
Argumento: Craig Titley, Sam Harper, Joel Cohen e Alec Sokolow, baseado no livro de Frank Gilbreth Jr. e Ernestine Gilbreth Carey
Elenco: Steve Martin, Bonnie Hunt, Piper Perabo, Tom Welling, Hilary Duff
Fotografia: Jonathan Brown
Música: Christophe Beck
Produção: 20th Century Fox
Distribuição Nacional: LNK
Género: Cómedia, Drama
Duração: 98 min
Classificação Etária: M/6

Shawn Levy assina Cheaper by the Dozen, remake livre do original homónimo de 1950 baseado no livro de Frank Bunker Gilbreth Jr. e Ernestine Gilbreth Carey sobre as desventuras da família real Gilbreth - que contava com doze filhos. O filme de Levy é simples mas honesto. Sem trazer nada de novo, consegue evitar alguns clichés inevitáveis e recupera mesmo um certo ambiente do filme de família tradicional que as mais recentes produções de Hollywood sobre a mesma temática têm ofuscado.

Steve Martin (Bowfinger, Bringing Down the House) e Bonnie Hunt (Random Hearts, The Green Mile) são os pais a cargo com a árdua tarefa de gerir uma família de doze filhos. A escolha acertada do conjunto de pequenos actores e actrizes para os papéis dos filhos transforma o filme num produto de fácil aceitação; as crianças são adoráveis, sem nunca serem insuportáveis. No meio das várias crianças, destacam-se duas actrizes não tão jovens: Piper Perabo (The Adventures of Rocky & Bullwinkle, Coyote Ugly) e Hilary Duff (Agent Cody Banks, The Lizzie McGuire Movie), nos papéis da filha já independente e da jovem na crise da adolescência, respectivamente. Ashton Kutcher (Dude, Where's My Car?, My Boss's Daughter) tem um pequeno papel como o namorado narcisista de Piper Perabo que, em tom de paródia, vai troçando com a sua condição de ser um dos jovens mais sexy entre as adolescentes norte-americanas.

Para quem julga que ter um filho tem que se lhe diga - quanto mais dois ou três - Cheaper by the Dozen expõe com a superficialidade que lhe é pedida como se gere uma família de doze filhos. A lógica é a da linha de montagem fabril, em série, e a técnica é a de um treinador de futebol - aliás, profissão do pai. Mas será possível treinar duas equipas ao mesmo tempo? E será possível a mãe perseguir os seus sonhos profissionais, ou mesmo construir uma carreira? As dificuldades amontoam-se quando a família, arrastada por um sonho profissional do pai, abandona a pequena localidade natal e se desloca para a grande cidade. Surgem as dificuldades de aceitação num meio estranho - seja no bairro ou na escola - mas os problemas de identificação com uma nova realidade vão sendo ultrapassados com o recurso à união dos irmãos, com a cumplicidade, com as brincadeiras coniventes. Mas porque irmãos não são irmãos se não houver disputas, o filme não perde tempo em servir-nos doses grandes de gags resultantes das rivalidades entre irmãos, das tropelias de pequenas crianças a agirem em modo terrorista, das idiossincrasias dos mais novos, tudo multiplicado por doze - ou quase.

Sem ser poderoso, o filme de Levy tem algum calor humano. O suficiente para que Cheaper by the Dozen seja um filme minimamente interessante, com momentos verdadeiramente engraçados e com outros eficazmente dramáticos. Aliás, é pela vertente dramática que o filme não se perde numa sequência de gags apenas. Os valores da família estão pontuados, aqui e ali, entre os desacatos provocados pelos pequenos pestinhas. A moral do filme é a esperada: a família é o bem mais importante; tudo o resto é secundário e facilmente se ultrapassa com a união. No género que o filme explora, e para o público a quem se destina, a mensagem é a adequada, ainda que pintada em traços cor-de-rosa.

Classificação: 6/10

Pensamento do dia

"In France I'm an auteur, in Germany a filmmaker, in England a genre film director, in USA a bum." - John Carpenter

Kill Bill Vol. 3?

A uma semana da estreia do segundo volume de Kill Bill, Quentin Tarantino confessou ter ideias para um terceiro volume, a filmar nos próximos 10, 15 anos. Tanto tempo porquê? Depois da vingança de The Bride (Uma Thurman), Tarantino quer dar uma oportunidade à pequena Nikki (Ambrosia Kelley) - a filha de Vernita Green (Vivica A. Fox), que morre no primeiro episódio - de crescer e ter a sua vingança também. Manobra de marketing ou algo mais? Seja como for, a realidade demonstra que Tarantino está absorvido pelo universo que criou com Kill Bill - foi também anunciada uma prequela em manga do filme, sobre os três homens que transformaram Bill num assassino.

abril 11, 2004

Box Office norte-americano (fim-de-semana 9 a 11 Abril)

Em fim-de-semana de Páscoa, The Passion of the Christ regressou à liderança do box office norte-americano como o filme mais visto, tendo gerado receitas na ordem dos $15.2M. As cinco estreias principais da semana revelaram-se fracas a nível de bilheteira. Para a terceira posição da tabela entrou, com $9.4M, Johnson Family Vacation, a comédia da Fox com a cantora Vanessa L. Williams. O drama histórico The Alamo, de John Lee Hancock, com Dennis Quaid, Billy Bob Thornton e Jason Patric, entrou para a quarta posição da tabela com $9.1M. The Whole Ten Yards, a sequela da comédia The Whole Nine Yards que continua com as presenças de Bruce Willis e Matthew Perry, situa-se na oitava posição da tabela, tendo gerado receitas de $6.7M em contraponto com os $15.9M que o filme original gerou em 2000 na mesma ocasião. Ella Enchanted, da Miramax, entrou para a nona posição da tabela com receitas de $6.2M e The Girl Next Door, a comédia romântica da Fox com Elisha Cuthbert e Emile Hirsch, ocupou a décima posição da tabela com $6.0M.

«The Cat in the Hat»



Título Português: O Gato
Título Original: The Cat in the Hat
País de Origem: EUA, 2003
Realizador: Bo Welch
Argumento: Alec Berg, David Mandel e Jeff Schaffer, baseado no livro de Dr. Seuss
Elenco: Mike Meyers, Alec Baldwin, Kelly Preston, Dakota Fanning e Spencer Breslin
Fotografia: Emmanuel Lubezki
Música: David Newman
Produção: Universal Pictures, Dreamworks, Imagine Entertainment
Distribuição Nacional: Lusomundo
Género: Comédia, Fantasia
Duração: 78 min
Classificação Etária: M/6

Depois de Ron Howard ter adaptado, em 2000, How the Grinch Stole Christmas, chega-nos agora a adaptação de mais um livro para crianças de Dr. Seuss, The Cat in the Hat. Bo Welch estreia-se na realização de longas-metragens com esta obra, mas conta já com um respeitável currículo como director artístico e production designer de filmes como Beetlejuice, Edward Scissorhands, Batman Returns ou Men in Black, para citar alguns dos mais interessantes.

Não é, pois, de estranhar que The Cat in the Cat seja um filme visualmente rico. Toda a composição artística e visual é exuberante e excêntrica, carregada de cores fortes e tons primários. Os efeitos visuais, que é como que diz, as imagens geradas por computador, abundam e conferem traços surrealistas aos quadros que Welch compõe durante os 80 minutos de filme - desde o início com as variantes animadas dos logotipos da Universal, da Dreamworks e da Imagine Entertainment até ao genérico final. O filme funciona, do ponto de vista estritamente visual.

O problema põe-se quando confrontamos o filme de Welch com a obra de Dr. Seuss, no seu conteúdo. A maré de críticas negativas que o filme de Welch recebeu aquando da sua estreia nos Estados Unidos veio fundamentalmente de pessoas que conheciam bem a obra de Dr. Seuss e, para quem esta adaptação ao cinema a desvirtuava por completo. Alheio à obra original, é-me, até certo ponto, fácil a entrega ao filme de Welch por um factor simples: a presença de Mike Meyers no papel do Gato.

Mas a presença de Meyers no filme é delicada e chega mesmo a ter um efeito contraproducente que, em última análise, transforma The Cat in the Hat num produto falhado. É que Meyers, aqui, está ainda dentro das suas personagens de Austin Powers, quer seja no papel do próprio Austin quer seja na do psicótico Dr. Evil. Meyers tem o maneirismo, o riso, a presença das personagens que tão habilmente explorou nos três filmes da série que parodia James Bond. É, pois, fácil para os fãs de Meyers gostar da representação histriónica, dos trocadilhos e do humor ao estilo de Austin Powers. É fácil esquecermo-nos que estamos a ver The Cat in the Hat e acreditarmos que estamos perante um quarto episódio da série Austin Powers, em que Meyers, além de Austin, de Dr. Evil, de Fat Bastard, interpreta mais uma personagem: um gato. Mas The Cat in the Hat é um filme infantil, baseado num livro para crianças, e sabemos que a representação de Meyers é demasiado complexa ou mesmo desadequada para um público jovem. Para o público a quem se destina, os trocadilhos, o humor auto-referencial, a denúncia do filme enquanto filme, tudo deveria ter sido deixado de fora.

Em última análise, The Cat in the Hat falha porque consegue subsistir apenas como veículo da comicidade de Mike Meyers. Funcionará dentro de certos parâmetros com os fãs de Austin Powers. Mas não nos podemos esquecer que estamos perante a adaptação de um dos mais importantes livros para crianças, que prima pela simplicidade do texto e pelo seu conteúdo. O texto no filme de Welch em nada é simples: o humor, as críticas, a ironia, os jogos de palavras, sucedem-se de forma rápida e constante. E se o filme é rico visualmente, é ao mesmo tempo desprovido de conteúdo emotivo, de calor humano, de qualquer grande lição digna de um filme para crianças.

Classificação: 4/10

abril 10, 2004

Substituto do DVD para breve

A inovação tecnológica não pára e o substituto do DVD, o HD-DVD (DVD de Alta Definição), poderá ser uma realidade já no final de 2005, início de 2006 através do consórcio Blu-ray. Apesar da Toshiba/NEC e da Pixonics estarem também a explorar os padrões da Alta Definição, ao que tudo indica será o grupo Blu-ray, constituído por treze empresas de entre as quais se destacam nomes como a Dell, a LG, a HP, a Samsung e a TDK, que mais facilmente terá sucesso de penetração junto da indústria de Hollywood. O HD-DVD tem capacidade de armazenamento cinco vezes superior ao DVD usual, permitindo portanto índices de compressão áudio/video menores, resultando numa maior qualidade de imagem e som.

abril 09, 2004

"Royale" with cheese?

Quentin Tarantino mostrou-se interessado em revolucionar a série do famoso espião britânico 007, tendo planos para adaptar Casino Royale (o primeiro romance de James Bond) com um orçamento três vezes inferior ao usual para os filmes da série, invertendo assim a fórmula de produção do filme de alto-orçamento que tem sido utilizada. Tarantino gostaria que Pierce Brosnan fosse Bond uma última vez, mas sabido é que tanto Brosnan como os produtores da série se mostram reticentes quanto a uma futura colaboração, o projecto parece morto à partida. Os rumores sobre o futuro de Bond sucedem-se a um ritmo vertiginoso. Depois se ter falado no nome de Orlando Bloom (Pirates of the Caribbean) para substituto de Brosnan, fala-se agora de Hugh Jackman (X-Men, Swordfish), Eric Bana (Hulk) e Heath Ledger (A Knight's Tale), revelando um evidente desejo de se rejuvenescer a imagem do espião britânico ao serviço de Sua Majestade.

Pensamento do dia

"For some reason I'm more appreciated in France than I am back home. The subtitles must be incredibly good." - Woody Allen

abril 08, 2004

«The Passion of the Christ» bate record em Itália

Depois da supremacia dos resultados de bilheteira nos Estados Unidos, o controverso filme de Mel Gibson continua na senda da rentabilização gerando agora lucros um pouco por todo o mundo. Em Itália, o filme ultrapassou The Lord of the Rings: The Return of the King como o filme que mais receitas gerou no dia de estreia. Filmado em Itália, The Passion of the Christ estreou em um terço das salas do país, tendo gerado receitas na ordem de 1.22 milhões de euros.

Demasiadas estreias por semana

Há já algum tempo que assistimos a um aumento progressivo do número de estreias por semana. Hoje estrearam nada menos que nove filmes, o que me parece um exagero perfeitamente descabido para a realidade nacional. A estratégia será logística e comercial: por um lado, limpam-se as prateleiras de filmes cujo lançamento tem sido preterido em relação a produtos mais rentáveis; por outro, o fim-de-semana de Páscoa, com um feriado adjacente, é um dos períodos ideais para rentabilizar ao máximo as salas de cinema. Para aqueles que gostam de ver tudo aquilo que vai estreando, o panorama torna-se claustrofóbico.

10 factores que afastam o público do cinema português

Os filmes portugueses estão aí, e as salas estão vazias. Ninguém diz que é fácil competir com máquinas como a de Hollywood, propulsionada inclusivamente pelos interesses económicos nacionais. Mas os filmes que se fazem por cá não são vítimas injustiçadas; continuam, sim, a sofrer de problemas que parecem resistir ao passar dos anos. Ficam alguns motivos pelos quais o cinema português é, geralmente, desinteressante.

1. Existe um desprezo grande pelo espectador
2. Os filmes são elitistas, pessoais e egocêntricos
3. Os actores bons não são suficientemente bons
4 .Os actores maus são demasiado maus
5. Os textos não são lidos, são declamados
6. O conceito de montagem não existe
7. A câmara está, e permanece fixa
8. O tratamento sonoro é descurado para segundo plano
9. A promoção, marketing e publicidade são negligenciadas
10. Os subsídios são a fundo perdido, sem preocupações de rentabilidade

abril 07, 2004

Pensamento do dia

"The camera lies all the time; lies 24 times/second." - Brian De Palma

abril 06, 2004

Projecto de Danny Boyle cancelado

A um mês do início previsto para a rodagem do mais recente filme de Danny Boyle (Trainspotting, 28 Days Later), 3000 Degrees, a Warner Bros. e a Imagine Entertainment anunciaram o cancelamento do projecto. O filme, baseado numa história verídica, reconstituía o drama de um incêndio num armazém de Massachussetts, no final de 1999, que tomou proporções épicas e no qual morreram seis bombeiros. Ed Harris, Woody Harrelson e Billy Crudup estavam confirmados como parte do elenco. Os representantes dos estúdios justificaram que a decisão se deveu ao facto de não terem os apoios humanos e infra-estruturas necessárias para dar seguimento a um projecto de tamanha envergadura.

«Les anges de l'apocalypse»



Título Português: Os Anjos do Apocalipse
Título Original: Les rivières pourpres 2 - Les anges de l'apocalypse
País de Origem: França/Itália/Reino Unido
Realizador: Olivier Dahan
Argumento: Luc Besson
Elenco: Jean Reno, Benoît Magimel, Christopher Lee, Camille Natta, Johnny Hallyday
Fotografia: Alex Lamarque
Música: Colin Towns
Produção: Légende Enterprises
Distribuição Nacional: Lusomundo
Género: Thriller, Acção
Duração: 97 min
Classificação Etária: M/16

Les anges de l'apocalypse, a sequela de Les rivières pourpres, deixa de fora alguns nomes importantes ligados ao primeiro projecto, nomeadamente o actor Vincent Cassel (La Haine, Irréversible) e o realizador, também argumentista, Mathieu Kassovitz (La Haine, Gothika). Olivier Dahan substitui Kassovitz na realização, Benoît Magimel (La Pianiste) é o novo parceiro policial de Jean Reno (Léon, Ronin), e o conceituado Luc Besson (Léon, The Fifth Element) entra como argumentista e co-produtor. O abandono de Kassovitz parece, à partida, ter bastante mais peso do que a entrada de Besson, e os iniciais motivos para preocupações acabam por não se revelar infundados.

Há pouco a dizer sobre Les anges de l'apocalypse, porque o filme de conteúdo tem muito pouco. O filme funciona estritamente com base numa lógica de exploração de cenas de acção e alguma tensão. Não é difícil adivinhar que Olivier Dahan esteve ligado ao mundo dos videoclips; a câmara é rápida, frenética e fluida; o estilo é cru e os ambientes são bem definidos; os tons são escuros e sem grandes contrastes, com os focos de luz sempre sobreexpostos. Poucas vezes me incomoda a sobreexposição da imagem, mas em Les anges de l'apocalypse o efeito é desmedido, tornando-se francamente distractivo. Fora isso, Dahan revela-se um cineasta tecnicamente competente e o filme não tem falhas de maior. As cenas de acção estão bem conseguidas, com tensão suficiente, e é o que consegue prender o espectador. O problema está entre as cenas de acção. Não se passa nada.

O filme é traído, naturalmente, pelo fraco e desinteressante argumento de Luc Besson. Há um pouco de tudo, desde Seven a Indiana Jones, numa história que peca pela falta de originalidade e inconsistência narrativa. Quando a trama é desinteressante, o espectador desliga-se. E é difícil voltar a conquistar a sua atenção. Dahan consegue fazê-lo através das cenas de acção, mas passada meia-hora o espectador já perdeu o interesse pela história própria dita, assistindo de cérebro desligado às perseguições, às lutas, aos tiroteios.

O par de detectives, interpretado por Jean Reno e Benoît Magimel, é eficaz. Reno é igual a si próprio, e a saída de um Vincent Cassel mais cool é compensada pela entrada de um Magimel mais "menino bonito", facilmente aceitável. Não é por aí que o filme falha em verosimilhança, nem é sequer pelas alegadas cenas em que as personagens demonstram poderes dignos de verdadeiros super-heróis. O filme falha na história, ou falta dela. O filme falha porque é desinteressante. Porque se a única coisa que conseguimos apreciar num filme são as cenas de acção, o estilo e os ambientes, pouco ficará na nossa memória passados alguns dias.

Classificação: 4/10

Fazer render o peixe

Fui, hoje, ver uma estreia da semana a um multiplex da Warner/Lusomundo. Enquanto esperava que as luzes se apagassem, interrogava-me sobre que trailers iria ver pela enésima vez. "Seria bem mais interessante se passassem trailers de filmes que ainda vão estrear, ao invés de mostrarem os trailers dos filmes em exibição no mesmo cinema" - pensei. E qual não é o meu espanto quando as luzes se apagam e o primeiro trailer a ser exibido, para minha perplexidade, é o do já distante Cold Mountain - trailer que não passava naquelas salas há já algum tempo!

A arte de produzir um DVD

Já aqui referi a suposta edição de luxo de Panic Room, talvez só comparável à de Fight Club. O produtor foi o mesmo, David Prior. Porque um bom DVD não tem geração espontânea, e pode mesmo demorar mais tempo a produzir que o próprio filme, aconselho os mais curiosos a lerem atentamente na The Digits Bits a primeira parte de um diário que produção que David Prior foi mantendo enquanto produzia o DVD. Em última análise, o texto demonstra que um bom DVD não se produz numa garagem em três dias.

O filme da nossa vida

Por vezes, em conversas, alguém me diz que não tem um filme da sua vida, que não consegue escolher um apenas, que gosta de vários filmes, de diversas épocas, de géneros distintos; que admira vários cineastas, que viu vários filmes marcantes. Porque não acredito que alguém não tenha um filme da sua vida, ficam as deambulações por aquilo que considero ser o filme da nossa vida...

O filme da nossa vida não é necessariamente uma obra-prima cinematográfica, mas é certamente um filme com reconhecido valor estético, histórico ou formal. Poderá não ser o filme que mais vezes revimos, mas vimo-lo com certeza mais do que meia-dúzia de vezes. E cada vez que o fazemos descobrimos qualquer coisa nova, anteriormente passada despercebida. Não será um filme que estreou o ano passado, mas também não é forçosamente um filme da primeira década da história do cinema. Sabemos que, objectivamente, não se trata do melhor filme jamais feito, mas temos por ele um carinho especial. É um filme que vimos em determinado período da nossa vida, que nos marcou, com o qual nos identificámos ou ainda nos identificamos. E por mais datado que o filme esteja, aquilo que sentimos ao revê-lo permanece imutável. Sobre o filme, tudo lemos e, quiçá, escrevemos. Comprámos o DVD mal foi lançado (ou ansiamos pelo seu lançamento). E já tínhamos o VHS. E livros, entrevistas, ou recortes sobre o filme. Se não sabemos os diálogos de cor, temos certamente presentes na memória algumas frases. E muitas, muitas cenas. Tudo adoramos no filme, até as suas pequenas falhas; porque as falhas não têm importância neste nosso filme fetiche. É um filme com tanto valor e tamanha riqueza que qualquer sinopse ou texto de breves linhas é redutor face a tudo o que pensamos sobre o filme. O filme da nossa vida é um filme em que o coração triunfa sobre a razão, um filme que nos faz sentir mais do que nos faz pensar; e todos temos um. O meu é Taxi Driver, de Martin Scorsese; e qual é o vosso?

abril 05, 2004

7 Mitos sobre o mundo do cinema

Aquilo que vamos ouvindo um pouco por todo o lado, como se de dogmas se tratassem. E que, no fundo, são ideias preconcebidas, refutáveis portanto.

1. O livro é sempre melhor que o filme
2. Não há blockbusters bons
2. Os filmes independentes europeus são obras de arte
3. Não há sequelas melhores que o filme original
4. Os críticos só gostam dos filmes que o público detesta
5. É possível avaliar um filme pelo título
6. Os meninos bonitos de Hollywood não são bons actores
7. A dobragem é um crime

Box Office norte-americano (fim-de-semana 2 a 4 Abril)

Hellboy, a esperada adaptação da banda-desenhada por Guilllermo Del Toro, estreou este fim-de-semana nos Estados Unidos com uma entrada directa para o topo da tabela, gerando receitas na ordem dos $23.2M. Para a segunda posição da tabela, com $15.5M, entrou o novo veículo de acção de The Rock Walking Tall. O filme da Disney para crianças Home on the Range situa-se na quarta posição com receitas de $13.4M, contando com as vozes de Judi Dench, Cuba Gooding Jr. e Randy Quaid. A comédia romântica The Prince & Me, de Martha Coolidge com Julia Stiles, distribuído pela Paramount, gerou receitas na ordem dos $9.4M, situando-se na sexta posição da tabela do box office norte-americano. Com $330.9M acumulados, o polémico filme de Mel Gibson The Passion of the Christ é já o décimo filme mais rentável de sempre no mercado norte-americano.

abril 04, 2004

Indústria aposta em projectos rivais

Curiosa tendência esta, de estúdios e realizadores escolherem o mesmo tema para projectos rivais, em desenvolvimento quase simultâneo. Depois dos filmes biográficos sobre Alexandre o Grande - um em fase de pós-produção por Oliver Stone, com Colin Farrell; outro a ser desenvolvido por Baz Luhrmann, com Leonardo DiCaprio - é agora anunciado que a cantora Pink terá o papel principal numa biografia de Janis Joplin. Também a Paramount, com o projecto Piece of My Heart, se encontra a produzir uma biografia sobre a lendária cantora, com Renée Zellweger no papel principal.

Soderbergh substitui Malick em «Che»

De acordo com a Variety, o realizador Terrence Malick (Badlands, The Thin Red Line) será substituído por Steven Soderbergh (Traffic, Ocean's Eleven) no projecto Che, sobre o lendário guerrilheiro cubano. Benicio Del Toro continuará a ser a aposta para o principal papel mas o guião será rescrito desde o início com supervisão de Soderbergh. As filmagens estão previstas para Agosto de 2005 na América do Sul. De lembrar que Del Toro ganhou o Oscar para melhor actor em 2001 ao ser dirigido por Soderbergh em Traffic.

Professor despedido devido a «The Passion of the Christ»

Na Califórnia, um professor de uma escola católica foi despedido por ter premiado os alunos do seu sétimo ano que foram ver o polémico filme de Gibson sobre a crucificação de Jesus. Segundo o professor, o filme não pode ser mais fiel aos acontecimentos que tiveram lugar há dois mil anos atrás. Sem comentar o despedimento, a directora da escola apenas referiu ser contra política da instituição os alunos verem filmes com classificação etária "R-Rated" (restricto, menores de 17 anos deverão ser acompanhados pelos pais ou tutor). O professor desvalorizou a violência das cenas de The Passion of the Christ através de uma analogia com os tempos violentos em que vivemos mas reconheceu que, para algumas crianças, algumas imagens podem ser consideradas excessivas.

«Stuck on You»



Título Português: Agarrado a Ti
Título Original: Stuck on You
País de Origem: EUA, 2003
Realizador: Bobby e Peter Farrelly
Argumento: Charles B. Wessler, Bennett Yellin, Bobby e Peter Farrelly
Elenco: Matt Damon, Greg Kinnear, Eva Mendes, Wen Yann Shih, Cher, Seymour Cassel
Fotografia: Daniel Mindel
Música: Michael Andrews
Produção: 20th Century Fox
Distribuição Nacional: LNK
Género: Comédia
Duração: 118 min
Classificação Etária: M/12

Não deixa de ser curioso que os irmãos Bobby e Peter Farrelly, que têm assinado os filmes em conjunto, tanto a nível de escrita como de realização, tenham escolhido para ponto de partida do seu mais recente filme, Stuck on You, o tema dos irmãos gémeos; aliás, mais do que gémeos, siameses. Depois de comédias loucas como Dumb & Dumber, Me, Myself & Irene ou There's Something About Mary, Stuck on You parece, logo à partida, uma incursão dos irmãos Farrelly por um estilo mais sério, mais sóbrio. Os gags visuais não proliferam, o humor físico é bastante mais contido que nas obras anteriores e o filme parece definir as situações de humor com meia-dúzia de trocadilhos, bem conseguidos, por sinal.

Os gémeos siameses são Matt Damon (Good Will Hunting, The Talented Mr. Ripley) e Greg Kinnear (As Good as It Gets, Nurse Betty), e o par não funciona. Não por eu não ser particular fã de Damon, mas fundamentalmente porque a diferença de idades é notória - os actores têm uma diferença de sete anos e tal não passa despercebido. Nem para Kinnear, que em tom jocoso de autocrítica se refere às suas visíveis olheiras.

O elenco é composto ainda pela "jovem" Cher a fazer de si própria, pela recém diva de Hollywood Eva Mendes no estereótipo da loira-burra, pela asiática desconhecida Wen Yann Shih e pelo veterano Seymour Cassel (Rushmore, The Royal Tenenbaums) no papel de um agente de Hollywood sem escrúpulos em fase decadente. Griffin Dunne (After Hours, Who's that Girl) dá também um ar da sua graça como realizador de séries de TV de fraca qualidade.

Bob (Damon) e Walt (Kinnear) são dois gémeos siameses que em comum terão pouco mais que o fígado, de tão diferentes que são. Bob é tímido, reprimido, com pouco à vontade, acabando por sofrer sucessivos ataques de pânico. Por seu lado, Walt é galã, sedutor, gosta de arriscar e é empreendedor. Ambos vivem com a aceitação. Sabem que são diferentes e lidam com a diferença com a maior das naturalidades. Os diálogos entre os dois, como se de duas pessoas independentes se tratassem, fazem-nos esquecer que estamos perante duas pessoas unidas fisicamente. Bob e Walt sempre triunfaram ao longo da sua vida, tirando proveito da sua condição limitativa.

A moral de Stuck on You é nada mais que o triunfo da força de vontade sobre a adversidade, sobre a limitação física; a vitória da aceitação sobre a intolerância gerada pela diferença. Mas o filme dos irmãos Farrelly é demasiado inconsistente. Parecem existir pretensões de seriedade por trás dos elementos de comédia - há inclusivamente algumas cenas amargas, em que as personagens deixam transparecer tristeza. Como comédia, o filme não tem piada. Mas não é certamente como filme sério que Stuck on You se consegue afirmar. O resultado é indefinido e deixa-nos perdidos. O filme soa a falso e sabemos que o material está longe de ser o dos Farrellys.

Uma mais valia do filme será, sem dúvida, o fair-play que alguns actores - ou no caso, actrizes - demonstram em participar num projecto desta categoria. Cher, a fazer de Cher, é suficientemente auto-crítica para que torne objecto de fácil aceitação pelo público, com toda a obsessão pela imagem, pelo culto do corpo. Possivelmente uma das primeiras vezes que Cher põe em causa a sua jovialidade. Ou, pelo menos, brinca com isso. A lasciva Eva Mendes não tem problemas em levantar no público dúvidas quanto à naturalidade do seu corpo, e até Meryl Streep, num breve cameo a fazer de si própria, demonstra que os irmãos Farrelly são minimamente influentes num grupo mais elitista de Hollywood - sistema que o filme também critica, embora de forma superficial e insípida.

Ainda uma menção honrosa para a excelente selecção musical que consegue conferir alguma unicidade a este produto tão desigual.

Classificação: 5/10

abril 02, 2004

DVD para quê, afinal?

Diz quem já viu, que a recém lançada edição DVD região 1 de Panic Room de David Fincher é algo que não se via desde a luxuosa edição de Fight Club, há quatro anos atrás. A edição especial de Panic Room, com três discos, foi também produzida por David Prior (o mesmo da edição de Fight Club). Os extras são tantos e demonstram tão cuidada produção que facilmente transformam o DVD num pequeno curso de cinema - de destacar três comentários áudio e um making-of com uma hora de duração.

Numa altura em que abundam nas grandes superfícies comerciais edições nacionais de DVDs a preços suspeitos de tão baixos que são, em que os jornais e revistas "oferecem" aos leitores edições de má qualidade, e em que mesmo os lançamentos ditos normais pecam por uma geral falta de qualidade, quer relativamente à imagem e som, quer quanto à ausência de extras, é bom recordar que existe ainda quem veja o DVD como mais que um mero suporte digital.

Idealmente, a edição DVD de um filme deve enriquecer esse mesmo filme. Como? Logo à partida, assegurando que se mantém a qualidade vídeo e áudio da obra cinematográfica; ao contrário do que acontecia com o VHS, o DVD permite fazê-lo. Paradoxalmente, deparo-me de vez em quando com edições nacionais de DVDs de qualidade notoriamente inferior à de algumas edições VHS de coleccionador.

Num segundo plano, igualmente importante, o DVD deve ter conteúdos que valorizem o filme - os extras. Existem dois tipos distintos de extras: a) tudo aquilo que já existia como material de trabalho ou promocional, antes sequer de se pensar numa edição DVD, como trailers, notas de produção, fotografias de cena, storyboards; b) conteúdos produzidos especificamente para serem incluídos num lançamento DVD, como entrevistas estruturadas, um making-of mais elaborado, pequenos documentários, etc. E é neste segundo campo que uma edição aceitável se pode diferenciar tornando-se numa edição de qualidade superior.

Cingindo-me à nossa realidade, constato que quando a qualidade a nível de imagem ou som das edições nacionais não é suficientemente má, os conteúdos que existem nas edições-mãe vão sendo deixados de fora. Por questões financeiras, naturalmente. Existem excepções, como em tudo. Mas a regra parece ser outra. Quando muitas pessoas se regozijam por terem feito verdadeiros achados no hipermercado da zona - edições "especiais" com trailer e índice de cenas por apenas €11.99 - interrogo-me se não teremos a realidade que merecemos.