março 21, 2004

Quando o realizador paga pelo projeccionista

Com alguma periodicidade deparo-me com comentários escritos ou testemunhos de pessoas a criticar a qualidade técnica de um filme pelo facto de que, quando viram o filme no cinema, viram também microfones na parte superior da tela. “É um filme mal feito” – dizem, não hesitando em apontar o amadorismo de toda uma equipa de cinema da qual o realizador é o responsável máximo.

Acontece que, salvo honrosas excepções, o responsável não foi o técnico de som nem sequer o realizador imagina que os microfones que tanto cuidado teve em garantir que não aparecessem em campo possam estar a ser vistos pelo espectador comum como se o filme se tratasse de um making-of ou mesmo de uma aula de “som no cinema”.

Um conceito fundamental na teoria do cinema é o conceito de enquadramento – o realizador compõe um quadro em que escolhe a imagem a mostrar ao espectador e ao fazê-lo está simultaneamente a escolher tudo aquilo que não quer mostrar. É um processo de escolha mas sobretudo de exclusão. O cineasta, como que munido de uma janela, faz a sua selecção da realidade para mais tarde ser projectada no grande ecrã. Em muitos filmes, durante a rodagem, o negativo está totalmente exposto, o que significa que a área da película que está a ser impressa é superior à do enquadramento que o realizador escolheu. Como tal, tudo o que está adjacente a esse quadro escolhido pelo realizador – sejam microfones, projectores ou mesmo as palas da câmara – está também a ser registado no negativo; sem preocupações, no entanto, uma vez que a posterior projecção do filme deverá respeitar o enquadramento escolhido aquando da filmagem através de uma janela que esconde tudo o que foi impresso no negativo para além do enquadramento desejado. Quer isto dizer que, idealmente, não serão vistos nas salas de cinema os projectores, os microfones ou o restante material utilizado para falsear a realidade durante o processo de rodagem.

O problema acontece quando o projeccionista da sala de cinema local, seja por ignorância, mero desleixo ou falta da janela de projecção adequada, escolhe projectar o filme com uma janela que não a correcta, ou mesmo sem janela alguma. Conclusão: tudo aquilo que o realizador escolheu não ser visto está a aparecer na tela perante o espanto do espectador que vai comentando com o dedo em riste “Olha! Um microfone!” O mesmo acontece com projectores, palas da câmara, colchões utilizados para quedas ou mesmo em cenas de alegada nudez em que percebemos que o actor e a actriz não estão de facto totalmente despidos.

Ocasionalmente, existem erros nas filmagens que fazem com que um microfone apareça em campo durante uns breves segundos. Tal não está relacionado com má projecção – o microfone entrou, de facto, no enquadramento escolhido pelo realizador e não foi possível repetir a cena. Mas são situações pontuais. Quando o microfone entra em campo 5, 6, 7 vezes durante o filme, a justificação será, de certeza, má projecção.

Falando na realidade Lisboeta, existem salas mas quais a maior parte dos filmes que não são panorâmicos (ie, ecrã largo, widescreen) são projectados de forma deficiente, seja por escolha incorrecta da janela de projecção, seja pela simples ausência da mesma. Nomeadamente, cinemas Ávila e Mundial.