abril 14, 2004

«Carandiru»



Título Português: Carandiru
Título Original: Carandiru
País de Origem: Brasil/Argentina, 2003
Realizador: Hector Babenco
Argumento: Hector Babenco, Fernando Bonassi e Victor Navas, do livro de Dráuzio Varella
Elenco: Luiz Carlos Vasconcelos, Milton Gonçalves, Ivan de Almeida, Rodrigo Santoro, Milhem Cortaz, Ailton Graça
Fotografia: Walter Carvalho
Música: André Abujamra
Produção: HB Filmes, Globo Filmes, Oscar Kramer SA
Distribuição Nacional: Columbia TriStar
Género: Drama, Crime
Duração: 146 min
Classificação Etária: M/16

Depois do sucesso de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, criaram-se grandes expectativas à volta de outro filme brasileiro mais recente de seu título Carandiru. Realizado por Hector Babenco (Pixote: A Lei do Mais Fraco, O Beijo da Mulher Aranha), Carandiru era há já muito falado, e esperado, principalmente por todos aqueles que viram e adoraram o filme de Meirelles. Falava-se num novo cinema brasileiro, numa nova corrente cinematográfica, que destituía Cidade de Deus de ser um exemplo singular. Se para mim o épico sobre crime de Meirelles é um filme sobrevalorizado, ainda que bom, o filme de Babenco, para além de sobrevalorizado é francamente mau. Qualquer semelhança entre os dois filmes será mera coincidência.

Carandiru tem como premissa os incidentes reais que aconteceram em 1992 na prisão de São Paulo com o mesmo nome. Na sequência de um motim, morreram 111 presos, sem que tivesse havido qualquer baixa nas forças policiais. Carandiru não é um filme sobre o sistema político, social ou prisional de um país com índices elevados de criminalidade; é, sim, um filme sobre um incidente específico: um motim que se transformou numa carnificina. Com quase duas horas e meia de duração, as duas horas iniciais do filme têm apenas a função de preparar o espectador para o choque final. Carandiru é um filme profundamente moralista.

A primeira imagem do filme mostra-nos que no meio de uma grande cidade existe uma grande prisão. E a primeira cena revela-nos que essa prisão é um mundo aparte, dentro de outro mundo; um microcosmos com regras próprias, com habitantes específicos, que se regem por um código de conduta por eles definido e rigidamente respeitado. É-nos apresentado o director da prisão, autoritário mas sereno, que sem recorrer à força deixa os presos resolver os conflitos internos, e um médico, o narrador e o autor do livro em que o filme se viria a basear.

Os filmes de prisão ficcionados funcionam numa lógica de existir um recluso, inocente ou não - o protagonista - e um director de prisão tirano e abusador, que narrativamente assume o papel de antagonista. Ainda que o preso não seja inocente, a crueldade do director faz com que o espectador sinta empatia pelo alegado criminoso. Do ponto de vista narrativo, Carandiru começa mal ao inverter os papéis e ao introduzir um director razoável em simultâneo com um grupo de criminosos pelo qual não se sente empatia. Dir-me-ão que Carandiru não é o banal filme ficcionado de prisão, mas sim um retrato da realidade. Vejamos então o que o filme de Babenco nos mostra.

Para mostrar a realidade da prisão de Carandiru, Babenco mostra a realidade de cada preso, durante quase hora e meia. Pouco nos é mostrado sobre as rotinas de uma vida enclausurada, da vida de prisão. Através dos olhos do médico, vamos conhecendo a história pessoal de cada preso, o seu passado, aquilo que o levou atrás das grades. Se o filme de Babenco já sofre por si só de uma falta de energia natural no seu fio condutor principal, cada vez que se recorre ao flashback as quebras narrativas são exacerbadas. Ficamos a conhecer o passado de cada preso, e o que Babenco demonstra é que, aqueles que não são inocentes, são vítimas da sociedade, de uma realidade cruel e desumana. Babenco pretende mostrar que se tratam no fundo de pessoas reais, mas o facto de matarem a sangue frio é descurado para segundo plano, ignorado, tratado com leviandade.

Em Carandiru muitos são inocentes, e todos são vítimas. Vítimas de uma liberdade que mais cedo ou mais tarde se revelará fatídica, vítimas de um sistema prisional sobrelotado e sem condições, vítimas de um flagelo emergente como o HIV dentro das prisões. Aliás, o médico chega à prisão através de um programa de sensibilização e identificação do problema. Nunca chegamos a perceber as reais motivações que o levam a lá permanecer, nem porque motivo o médico que mais parece assumir o papel de padre cria tamanha empatia pelos reclusos, ultrapassando mesmo a ténue linha da ética profissional. Terá acontecido. Respeitamos. Mas não podemos deixar de notar que é um ponto subdesenvolvido no argumento e que não facilita a nossa empatia com a personagem.

Aquando do motim, as pretensões de Babenco são claríssimas. Carandiru pretende condenar a violência, a brutalidade policial. A mensagem de que nem os criminosos merecem tal castigo espelha-se nos litros de sangue que escorrem pelas escadas e pelos corredores. Babenco condena os incidentes que tiveram lugar há uma década atrás em Carandiru. Naturalmente, há que reprovar qualquer tipo de abuso de autoridade. Mas sem se ser faccioso, sem desvirtuar a realidade, sem transformar culpados em vítimas. Ou então fazê-lo através de uma análise mais incisiva e menos superficial do problema. Todas as preocupações de Babenco em caracterizar humanamente os criminosos desacreditam o filme a um nível mais profundo, fazendo com que a mensagem de Carandiru funcione apenas a um nível sentimentalista, superficial, de manifesto de anti-violência policial.

Num momento em que se criticam as representações dos actores portugueses, e com razão muitas vezes, há que notar que o elenco de Carandiru não prima pela excelência. Os textos não ajudarão, mas o que se sobressai são representações pouco ou nada convincentes.

Classificação :3/10