abril 25, 2004

Realizadores de bancada

Cinema aparte, poucas áreas existirão sobre as quais todas as pessoas têm opinião formada; opiniões dogmáticas, irrefutáveis e fechadas a qualquer sugestão exterior, diga-se. Qualquer pessoa tem opinião sobre um filme, sobre um actor, sobre um género. As opiniões oscilam entre o verdadeiramente superficial e o devidamente fundamentado.

É isso que transforma a crítica de cinema enquanto profissão numa das tarefas mais ingratas de uma sociedade de informação. Nem todas as pessoas ousam opinar sobre ballet, música clássica ou pintura. O mesmo não acontece com os filmes. Todos têm opinião. É, pois, fácil criticar o papel do crítico apenas por não se concordar com o seu texto. No limite, trata-se da prevalência da nossa opinião pessoal sobre a opinião de outra pessoa, que por acaso assume o papel de crítico de cinema.

Existe crítica boa e crítica má, como em tudo. Mas centremo-nos naquilo a poderá ser chamada crítica de qualidade, fundamentada. Qualquer crítica implica um processo de formação de opinião. Consequentemente, o texto do crítico transmite, de forma mais ou menos subtil, uma visão pessoal da obra. Mas o texto contém mais do que isso. Idealmente conterá uma contextualização do filme, apresentará uma análise aprofundada sobre as imagens, estabelecerá uma relação com a história do cinema. E isso não existe nas opiniões superficiais que abundam um pouco por todo o lado. Porquê então o desprezo imediato pela opinião do crítico de cinema?

A (boa) crítica cinematográfica pode ser enriquecedora, mostrando-nos novas perspectivas sobre a obra. Existe crítica válida, ao contrário do que pensam aqueles que caem no lugar comum de rotular os críticos como artistas frustrados. O que define uma boa crítica será subjectivo, mas penso que tal passará sempre por uma opinião devidamente fundamentada, em que se perceba o processo de construção de opinião de quem escreve o texto. A partir daí vale tudo, seja glorificar um produto medíocre ou arrasar uma obra-prima. A crítica não é nem nunca será consensual, precisamente porque os filmes são compostos por imagens - logo, sujeitas a interpretação.

Na memória ficaram-me as palavras de um editor de jornal que, um dia, em conversa com o seu crítico de cinema lhe disse: "Sabe que tem a profissão mais ingrata de todas, não sabe? É que posso chegar a casa e a minha mulher dizer-me que não gostou do que o senhor escreveu. E o mesmo não aconteceria com um texto sobre política, literatura ou música erudita..."