abril 15, 2004

«Io non ho paura»



Título Português: Não Tenho Medo
Título Original: Io non ho paura
País de Origem: Itália/Espanha/Reino Unido, 2003
Realizador: Gabriele Salvatores
Argumento: Niccolò Ammaniti e Francesca Marcino, sobre romance de Niccolò Ammaniti
Elenco: Giuseppe Cristiano, Mattia Di Pierro, Aitana Sánchez-Gijón, Dino Abbrescia
Fotografia: Italo Petriccione
Música: Ezio Bosso e Pepo Scherman
Produção: Medusa Produzione
Distribuição Nacional: LNK
Género: Drama
Duração: 108 min
Classificação Etária: M/12

Estranha realidade esta, quando constato que um dos filmes mais interessantes que tive oportunidade de ver na edição deste ano do Fantasporto foi um drama, com pouco suspense, sem terror, sem efeitos especiais. Falo de Io non ho paura - que estreia esta semana - do italiano Gabriele Salvatores, nome já conhecido de edições anteriores do Fantas (Nirvana).

Gostei de não ter lido sinopses previamente, nem ter visto o trailer. Tive uma agradável surpresa. Não sabia sequer que a acção se desenrolava algures no interior de Itália, pelo final da década de 70. Ou que existia um rapazinho de seu nome Michele, filho de uma família convencional, modesta, que um dia descobria um buraco onde outro rapaz, Filippo, se escondia.

A partir de um romance de Niccolò Ammaniti, Salvatores constrói um filme poderoso, visualmente deslumbrante, sobre a infância, sobre a amizade e sobre a perda precoce da inocência. Toda a composição é poética, de uma beleza grande, muito grande. As paisagens do interior de Itália, com as searas ao vento, as ceifeiras-debulhadoras ao longe, os tons dourados da fotografia de Italo Petriccione, a imensidão dos campos no meio do silêncio ou da serena composição musical de Ezio Bosso e Pepo Scherman - tudo confere um ambiente sublime, de extrema sensibilidade ao filme de Salvatores.

Io non ho paura é um filme sobre dois mundos: o das crianças e o dos adultos. E sobre a tragédia inevitável que eclode quando uma criança, ainda nova, se confronta com a realidade do mundo dos crescidos. O filme de Salvatores começa com ternura, pois vemos a realidade pelos olhos do jovem Michele, puro e inocente. Estamos no mundo das crianças, em que mesmo a mais perversa das acções está embutida em pureza, em inocência. E quando Michele descobre Filippo, escondido num buraco, o realizador italiano explora uma visão honesta, realista e despretensiosa sobre a amizade. A mais pura das amizades, em que não imperam clichés e os actos heróicos são tão subtis que podem passar despercebidos a uma primeira leitura.

Salvatores contrapõe a crueldade à inocência. E aqueles que parecem actos justificáveis no mundo dos adultos, ainda que reprováveis, adquirem proporções inimagináveis aos olhos de uma criança, com tanto para viver ainda, com tanto para brincar. É a mais forte das desilusões: a constatação de que os adultos podem ser maus, e que o tamanho fosso existente entre o mundo das crianças e o dos adultos pode ser transposto com uma passada apenas ou com um simples olhar; de forma irreversível. É a inocência perdida, na visão poética e trágica de Gabriele Salvatores.

Um filme a não perder.

Classificação: 8/10