abril 01, 2004

«Les Triplettes de Belleville»



Título Português: Belleville Rendez-vous
Título Original: Les Triplettes de Belleville
País de Origem: França/Bélgica/Canadá/Reino Unido
Realizador: Sylvain Chomet
Argumento: Sylvain Chomet
Música: Benoît Charest e Mathieu Chedid
Distribuição Nacional: Atalanta Filmes
Género: Animação, Comédia
Duração: 78 min
Classificação Etária: M/6

Poucas vezes a expressão "uma imagem vale mais que mil palavras" terá sido tão bem aplicada do que a propósito do extravagante produto de animação de Sylvain Chomet Les Triplettes de Belleville. E se uma imagem vale mais que as mil palavras, os 78 minutos deste filme valem certamente mais que dezenas ou centenas de obras cinematográficas que já foram vistas e revistas. Desengane-se quem resume o conceito de animação de qualidade a uma Pixar, a uma Dreamworks ou a uma Disney. Les Triplettes de Belleville não terá ganho o Óscar para melhor filme animado meramente por questões de marketing (ou falta dele) e porque as receitas astronómicas que Finding Nemo gerou tornaram o filme da Pixar num marco importante para toda uma indústria que se auto alimenta. Mas o filme de Chomet demonstra de forma irrefutável que a tradicional animação 2d pode ter mais profundidade que os virtuosismos tecnológicos da animação computorizada a 3d.

Les Triplettes de Belleville é um filme mágico, encantador, que não necessita de palavras para fazer com que o espectador se entregue incondicionalmente à história que lhe está a ser contada. Quando filmes existem que usam e abusam da narração para situar o espectador, para lhe fornecer dados importantes sobre o argumento e personagens, o filme de Chomet mostra que não são necessárias palavras para contar uma história. Não há diálogos. Não há narração. Na verdade, as únicas palavras que nos são oferecidas são aquelas tidas como redundantes num filme tradicional: o locutor de TV a anunciar uma interrupção, o repórter desportivo a cobrir a Volta a França. Ou seja, Chomet exalta as palavras que nada têm a acrescentar à história e deixa que as imagens façam o resto, que é como quem diz, que contem a história.

Les Triplettes de Belleville é um filme cheio de ideias. Cada sequência, cada cena, cada plano é imensamente rico, fértil em originalidade. E é aqui que Sylvain Chomet demonstra compreender o poder da animação. A animação não tem forçosamente que copiar o real. Não tem respeitar as formas, nem as cores, nem sequer as leis da física. Ver Les Triplettes de Belleville faz-me interrogar se produtos como Final Fantasy ou mesmo The Last Flight of the Osiris (um dos segmentos de Animatrix) têm qualquer propósito se não o de arrebatar o espectador com animação ultra sofisticada que imita o real. Chomet entende que a animação lhe permite fazer aquilo que num filme com actores não seria possível fazer. E as ideias sucedem-se a um ritmo delirante.

Tudo isto é cinema: a composição cuidada, os enquadramentos, as ligações entre cenas pensadas minunciosamente; e está tudo no filme de Chomet. Há, também, muito de Jacques Tati em Les Triplettes de Belleville, desde um certo revivalismo da comédia muda à excentricidade visual e à importância que é dada ao som. De resto, a homenagem é assumida pelo cartaz de Les Vacances de M.Hulot que se pode ver na parede da casa das irmãs ou mesmo por imagens de Jour de fête que passam numa televisão.

Mas há também muito de americano neste filme francês, e não apenas em tom de sátira. Se bem que a crítica ao estilo de vida americano está presente, com uma cidade de Belleville que só faz lembrar Nova Iorque, com todas as personagens vítimas de obesidade mórbida (causa apontada directamente à fast-food - aliás, Hollywood é Hollyfood), outros elementos essenciais do cinema norte-americano, como a máfia como antagonista na construção narrativa, por exemplo, estão também presentes em Les Triplettes de Belleville. Note-se ainda no gag final pós-genérico, tão comum nos filmes americanos. Tudo espremido e descolorado, o género do filme de Chomet poderia ser o americano, mas o realizador consegue ser profundamente original na abordagem que faz à obra e nas pinceladas com que constrói o seu quadro surrealista.

Les Triplettes de Belleville canta e encanta. O filme é delicioso. Não atira à cara do espectador aquele bem-estar ou ternura do filme de família a que estamos habituados com as grandes produções de animação norte-americanas, mas o filme consegue ser encantador à sua maneira. Será um filme mais frio, porventura, mas é tão rico em ideias e tão original que facilmente se torna num pequeno clássico e num filme que estamos dispostos a ver e rever com um sorriso na cara.

Ainda duas notas finais: 1) de louvar a decisão inteligente dos distribuidores em não legendarem de todo as poucas linhas passíveis de serem legendadas, uma vez que tal seria contraproducente num filme como este; as legendas (redundantes) apenas constituiriam objecto de ruído visual. 2) de aplaudir ainda a soberba projecção digital à qual tive oportunidade de assistir nos cinemas Millenium Alvaláxia.

Classificação: 9/10