Quando vamos ao teatro, em cima do palco é-nos apresentada uma história, uma situação, e somos situados no espaço através de um cenário que, por mais complexo que seja, é sempre minimalista quando comparado com a realidade. Exemplificando: a acção decorre dentro de uma casa, e o cenário é constituído por apenas duas paredes em ângulo e uma mesa com um jarro; a história desenrola-se na selva, mas tudo o que está em palco são meia-dúzia de plantas e algumas folhas. Assistimos à peça, e nunca sequer questionamos que "aquilo" não é uma casa, nem a selva. E porquê? Devido a um conceito presente no nosso subconsciente chamado "suspensão da descrença".
Significa a "suspensão da descrença" que o espectador está disposto a aceitar limitações da história que lhe é apresentada, sacrificando o realismo ou plausibilidade da situação, em proveito do entretenimento. O termo foi definido pelo poeta e filósofo inglês Samuel Taylor Coleridge, em 1817, mas já Shakespeare, no prólogo de Henrique V, fazia alusão à mesma teoria. Se, no teatro, este mecanismo subconsciente é aceite de forma pacífica para que se possa assistir à peça, no cinema, para um público mais inflexível, pronto a criticar, o mecanismo não goza do mesmo estatuto. Não há espaço para tal conceito como a "suspensão da descrença".
Surge o adjectivo "banhada" e a expressão "filme da tanga". Frases como "isto nunca poderia acontecer" ou "que exagero" saltam da boca dos espectadores mais melindrosos; e muitas vezes acompanhadas de sonantes gargalhadas. Então e a "suspensão da descrença"? Onde está a capacidade de suspender o sentido crítico em prol do entretenimento? Não está. E não se gosta de James Bond, de Charlie's Angels, de Die Hard ou True Lies. Não por serem filmes maus, diga-se, mas por serem filmes inverosímeis, irrealistas. Cinema também é espectáculo. E o espectáculo não pretende copiar a realidade mas sim colori-la.
Bem sei que por vezes os limites para a nossa a capacidade de "suspender a descrença" são levados ao extremo, mas convém sempre analisar os casos individualmente, identificando o género do filme em questão, o seu universo, se é um filme que pretende ser levado a sério ou não. "Banhada", da boca para fora, não só destrói a emoção cinematográfica e o propósito do filme, como muitas vezes denuncia uma opinião crítica nada fundamentada. Afinal, vem da mesma pessoa que vê e aceita filmes como Star Wars ou Lord of the Rings.
Apreciem-se os filmes então, o mais possível, e encontrem-se os seus problemas e falhas onde realmente estão.